quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Fruta-bicho-homem

Eu sou um fruto esquisito
Como uma pitaia.
Duro por fora
E esquisito por dentro.

Carrego uma nostalgia polpar,
Um veneno que, as mais das vezes, me faz bem.

Não luto e não faço o que penso,
Muito embora deveria fazer.
Mas penso que luto enquanto não faço,
E o meu pensar e o meu não fazer
Me fazem, muitas vezes, negar o que penso.

Agora que caí no chão, debaixo dessa copa frondosa
Observo bem as minhocas, os vermes pútridos,
Que nem tenho certeza se são realmente sujos.
São meus amigos, intensos e mudos.

Aos poucos invadem o meu ver,
Aos poucos me consomem.
E eu que sou fruta-ser
Metamorfo-me em bicho-homem.

Onde o vento faz a curva

Tem um novo vento.........
Sente?
Sensível sempre,
sibilando nas frestas secas
dos segredos sussurrados.

Eu peguei o caminho errado
naquela curva do vento
ali atrás.
Ouvi uns sons estranhos
uma música estranha.
Mas aí acordei com o perfume do vento
nas minhas narinas abertas!
Suspirava silencioso:
contraste quase hostil
à barulheira de antes.

Queria só te encontrar
Numa praia, na beira do mar
Fazendo a curva num cante qualquer
Vento querido.
Queria te ver, tocar,
queira te sentir nos meus dedos
leve como o ar, lindo como o céu
Feito da pureza do papel
nascido das cinzas das folhas
dos retalhos de memórias
das fatias das fotos
rasgadas nas águas do choro velho,
aquele rio esquecido, há tanto,
que dá nesse mesmo mar,
onde o vento faz a curva.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Canção do meu céu

Sou agora capaz de compor
um milhão de poesias
tamanha a minha nostalgia

Tanto choro, tanta reza
tanta alegria
tanta tristeza, quanta tristeza!

Qual o poema que mais tem travessias?
Qual o poema que mais tem poesia?
Qual?

Recitando-os, revendo-os, todos eles
de Homero às Flores do Mal
onde está a poesia?

A poesia que me toma conta
me domina, me arredonda
E, tomado por essa onda,
me espanto e me expando
Ex-namorado, ex-filho,
ex-eu,
Caminhando nas fotografias
que me fazem chorar
lembrando desses tempos de inocência
e de perene alegria

Nas rimas que faço
há algo daquele tempo
um tempero... um cheiro!
Sempre sinto os cheiros mais incomuns
Esse deve ser um deles
Mas é reles isqueiro
perto do fogaréu
dos Meus mundos, da minhas impressões
mais insanas e desgovernadas
mais bobas e apaixonadas!
Tão jovens, tão intensas!

Ah! fotografias!
Deviam ser feitas do material mais
divino! E todos os anos atrás
refeitos na sua filha e cria
gritam como pássaros selvagens
presos nas redes da nostalgia.

E quando choro, choro por mim
e por tudo que fui
e não sou mais.
Por Eduardo, por todos os meus
Eduardos.
Tempo tão feliz!
que esperava desde que nasci!
Agora que passou, perdi,
Já foi.
Agora, eu já morri.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A República

Formei o meu canto
o meu respirar
como uma pasárgada.

Ai, ai, queria voar
pro meu recanto
onde todos são amigos.

E lá, nas serestas
nas serelas, serenatas,
sergipes, ser-tudo!
Seria maravilhoso.

Tudo se resolveria
na minha república
fechados na caixa
dos olhos de nostalgia.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Soneto às nuvens

As nuvens são as flores do verão
que desabroxam quando especiais
E os detalhes mais superficiais
exageram com líquida atenção

Cada pingo na palma de uma mão,
cada poça que deixam para trás
refletem suas águas siderais
as nuvens que viajam pelo chão

Nuvem mais linda, feita do silêncio
chega tão serena, só que no cio
e rosna com seus trovões de alegria

Sinto o teu cheiro de eterna ressaca
e em teus raios de luz, feito faca
rasgo em pedaços minha fantasia

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um Segredo Revelado

Sinto em lhe falar tão diretamente
Veio na mente é melhor dizer
São coisas que se presas machucam
Expurgo, assim, o mal de uma vez

Nunca antes me senti assim
Como calado por muito
E triste por pouco, por menos
De uma tristeza que não cabe em mim

E eu, finito em tanto nesse fim,
Feri-me ao ver-me tão mal com isso
Esperava me curar do mal que fiz
E que não fiz. Veio, então, um impulso.

Impulso vago, impulso fraco
Mas ainda assim veio.
Não há palavras pra traduzir
A vaguidez com que passou

A vaguidez com que, no meio,
Caía em mim de ridículo,
Parei e comecei a rir,
E, em seguida, a chorar.

Um choro mais profundo
Que o ridículo do impulso
Mais aterrador que as mais tristes
Memórias e fotos e filmes

Estes eu não me esqueço
E as lembranças me carregam
Num barco sem mastro
Sem leme e, pior, sem âncora

Embriagado na imensidão de cores
Das vagas assassinas que me levam
E me fazem do lado de fora
Vomitar todas as dores

Eu sou um vidro de amores
Que quebrou na imensidão do céu
E espalhou, em nuvens cinzas
As flores do último inverno

Quero expelir esse brilhante inferno
Fazer das dores um pacote seu
E entregar-me, nu e de braços abertos
Como o Cristo, para uma morte pequena

Queria fazer de mim um tirano
E um mártir, além do mal e do bem
Apenas um amigo, tolo, mas próximo
Mais próximo e mais amigo.

Prometa que não conta à ninguém
Esse segredo tão escondido
Tão escondido que te contei
E agora todo mundo sabe.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Estética

A menina que é vermelha
subiu no alto de uma árvore
com seu pirulito cor-de-rosa
e seu vestido cor-de-telha

É tão doce o mel da abelha
e é tão doce o seu sorrir
que transforma em poesia, prosa
e faz o dia, rubro, ir dormir

Lá no alto, a menina, tão nova
tão vermelha e bonita e libidinosa
lambia lentamente o pirulito

como a chuva lhe lambia o corpo
E o corpo, que caía e gemia
na poça, treme, sorri e jaz morto.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema,
A terra é sempre tua negra algema,
Prende-te nele a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, de pouco a pouco,

Na natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Cruz e Souza

domingo, 29 de novembro de 2009

Embriaguez

Foi o Teatro que me tornou bebum.
Foi por causa Dele que eu aprendi a beber,
Ele me aliciou nessa manguaça.

Só mais um gorozinho!
Só mais um!

Agora estou caindo no chão,
Fazendo feio,
Tropeçando nas cordas bambas
Do nosso Circo pobre.

Viveria me equilibrando para não deixar
O mundo cair.
Caiu. Beber, cair e levantar!

Não posso mais sair do Teatro;
Da bebedeira também não.

domingo, 22 de novembro de 2009

Menta e tabaco

Menta e tabaco.
Pelo primeiro, me orgulho;
pelo segundo, me mato.
Menta e tabaco.

Menta e tabaco.
Está escuro como um breu,
parece que caí em um buraco.
Menta e tabaco.

Mentabaco.
Que beijo é esse que me mordeu?
Morreu o sonho e ficou o fato.
Mentabaco.

Mentabaco:
fusão do quente, com o frio meu:
a sua essência no meu palato.
Mentabaco.

Menta-baco.
Perdi meu norte, que aconteceu?
Perdi minha roupa, sou puro tato:
Menta-baco.

Menta-baco.
Meu corpo forte, ali morreu,
meu devaneio, ficou no espaço.
Menta e tabaco.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Dores

Que há comigo?
Com essas roupas, com esses trapos
Sujos velhos, escrotos.

Contorcer-ser dói
Me aperto, estou preso! Amarrado, amordaçado
Que há comigo?

Essacordachegaadoer
Chegarasgar
Espremetudoquesinto
Assimtudorrasga

Gritosespremidosnascavernassemeco
Floresmortasporessesgritos
Meusseustodosnossas
dores

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Meu último soneto

Não sei, muitas vezes pra onde olhar,
me perco nos detalhes mais sutis
das mais sutis indiferenças
que tem cheirinho de saudade

Recorre, a mim, a suprema nostalgia
da noite, das crianças, de tudo
Só quero desenhar mais uma vez,
com o giz de cera da cor preferida

Queria correr no pátio da escola
e brincar de verdade e consequência;
queria pular do teto e cair no chão

Porque criança tem sete vidas e não morre
Deveria não morrer, pelo menos
Ai, o que eu daria pra não ter mais estes dedos

domingo, 15 de novembro de 2009

Esperando

O que tanto se espera?
A espera de milênios
Que adormecia
Uma princesa em um castelo.

A pressa é inimiga da perfeição
A espera é inimiga da vida
Dessa vida imperfeita
Nos moldes do céu e do chão

Enchi o meu copo, fui beber,
Mas tava vazio.
Tentei outra vez, bebi,
Mais rápido. Mas não deu.

Então, na seca, suando,
Sem saber se sorria
Ou se permanecia na espera
Perenei, sedento.

E nesse jejum insípido
Observando e esperando
Sentimos, eu e a espera,
Um vazio maior que a torcida do flamengo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Chuva Moderna

Tô com uma pulga atrás da orelha
Tô com o rei na barriga
Tô com uma pedra no sapato
Tô com uma carta na manga

Minuto à minuto, me vejo cego
E, sem ver, assisto à tudo
Espero, e a cegueira me mete um medo
Dos infernos profundos.

E, nesse cenário dantesco,
Às vezes rio, às vezes rezo,
A ver o mundo como um cego
A viver no inferno sem contexto.

Então, das profundezas do mundo
Vem um vômito que não vejo
Da cor da cegueira
E cai, no meu colo, um filósofo mudo.

É o rei da minha barriga
Filho meu da boemia
Um pobre filósofo que, mudo,
Não cantava, nem ria.

Agora, nas minhas pernas,
Sinto-lhe a bíle na timidez muda
Um gaucherismo drummondiano
Que tudo afasta e tudo quebra.

Junta-se à pulga, à carta, à pedra
Levanta-se e vai embora.
Tô melhor, mais à vontade,
Vou pra casa beber Coca-cola.

domingo, 8 de novembro de 2009

Lua

Que ótimo dia de chuva
Pra caminhar na Lagoa,
Sobre suas águas nuas,
Na turva da curva sua.

Tarde insípida e crua,
Tarde nublada de nostalgia
E na Lagoa, as águas frias
Balançam, lambendo a rua.

E quando o céu é noite escura
Desfazem nuvens e brilham as estrelas
E os planetas e a Lua,
Que flutua e bóia e foge e fura.

A Lagoa sobre a Lua
Na noite, a carne sua
Vira água nua e fria
Que lambia a curva da rua.

domingo, 30 de agosto de 2009

Do cheiro

Do cheiro
Que veio morte
E depois vida
E depois morte

E depois vida
E depois morte

E depois vida

E, depois, morte.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Os olhos dela

São lindos, os olhos dela
Que quando ela olha
Olham os meus olhos de volta

São gatos, os olhos dela
Que quando ela mia
Arranham poses de leveza

São pássaros, os olhos dela
Que quando ela chora
Piam lágrimas de delicadeza

São ondas, os olhos dela
Que quando ela mira
Ressacam vagas de suicídio

São santos, os olhos dela
Que quando ela os fecha
Ressuscitam dessa pequena morte

domingo, 16 de agosto de 2009

Evilano Vila

I.
Evilano Vila
Marujo de alto-mar

Homem camarada
Sempre a velejar

Cego de um ouvido
Mudo no calar

Nunca aportava
Seu amigo é o nada

Evilano Nada
Marujo a velejar

Homem de um ouvido
Sempre no calar

Mudo camarada
Cego de alto-mar

Nunca aportava
Seu amigo é ouvi-la

II.
As brumas do mar me fazem cego
O balanço das ondas me condena
A espuma me alimenta de desejo
Porque sou um grande marinheiro
Condenado a velejar sozinho,
Uma pena.
Mesmo com todo o meu dinheiro
Sou pobre, sou faminto, sou doente
Drogado infeliz de corpo podre
Ao mar me lançaria, se pudesse
Achar alguém que more lá que me receba.

Já escrevi muitas cartas a amigos marinhos:
A maioria dos peixes me rejeitou;
O tubarão me disse não;
Os cavalos-marinhos avaliaram;
Nenhum cetáceo me gostou...

Fiquei no limite
No horizonte do mundo
Na fronteira do que é bonito
E do que é feio
Os dois igualmente belos
Como o céu e o mar:
Um é salgado e aconchegante
Como coração de bruxa-mãe,
Que sempre cabe mais um,
Mas fica meio apertado;
o outro é gelado e desmiolado.
Os dois são infinitos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Cigarra

Sinto o sono de uma prece.
Seria sincero se sarasse
Desse sarampo
Só meu.

Sabia - sempre soube
- que seria assim.

Sou aquela cigarra.
Saco...

Aquela cigarra
que só sabia cantar.

Os sonetos já sobraram nos silêncios;
Os assentos já se encheram,
Assim, sem mais nem menosssss

Ssssibila, cigarrinha
Ssssibila, ssssalta, ssssolfeja e explode!

De dor de cantar, de calor, de ferro
Sua música, seu requien, seu ode
A si mesma, o seu berro
Desesperado e solitário.

Ssssilvos de pirilampos,
Vaga-lumes, elfos.
E você, cigarra, sempre sozinha
Sassaricando na selva.
Pula, salta, amassa a relva
E volta pra morrer em paz no seu lar
de passarinho.

Sem isso, a nossa poesia
Minha e sua, cigarrinha,
seria menos que essas formigas.
Saúdem nossa seresta amiga,
Súditos dos assassinos das sílabas!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Soneto dos meandros

Estou perdido e sem amigos
Numa bolota apertada,
Que não cabe com minhas fotos
E filmes de infância.

A vida sem vida me causa ânsias
E me perco nos cantos, nos lados,
Nas reentrâncias
Da minha apertada cachola.

Das fotos de escola,
Não lembro o nome de ninguém
Porque não me importo.

Perdido nessa bola,
Nesse planeta de extravagâncias
Vivo do que é mais além.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Máquina do tempo

aos meus pais
Nas estantes da memória
Estão todos os objetos
Que já tocamos
Nas paredes do nosso quarto
Estão todas as camadas
Que já pintaram-na
Nas membranas e nossos alvéolos
Está um pouco de cada atmosfera
Que já respiramos
E se, por um acaso
Decidirmos mexer na estante
Ou descascar as paredes
Ou mesmo descamar nossos brônquios
Teremos, por um instante
Por um momento
Uma viagem no tempo.
O passado tornar-se-á presente
E nosso pai falecido estará presente
E ganharemos, de presente
Um filme - a cores - de nossa vida
Nos carretéis de película das lembranças
Poderíamos, se nos apetecesse,
Voltar à infância
E brincar com as outras crianças
Antes que escurecesse
E talvez, em nossa ânsia,
Avançaríamos à flor-da-idade,
Às rodas de namoricos
Da mocidade.
E dançaríamos, nos bailes,
Vestindo aquela moda brega,
Rindo da nossa adolescência,
Rindo de saudade.
Aí viriam as primeiras grandes escolhas
E a consumação de um grande amor
O casamento.
Voltar no tempo
É lembrar:
Da primeira bicicleta
Do primeiro dia na escola
Da primeira série
Da primeira medalha
Do primeiro álbum completo
Da primeira pecinha
Do primeiro beijo
Do primeiro namorado
Da primeira dança
Da primeira apresentação séria
Da primeira vez
Da primeira briga
Do primeiro dia na faculdade
Da primeira viagem juntos
Do primeiro carro
Da primeira casa
Do primeiro - e único! - casamento
Do primeiro filho
Da primeira noite sem dormir
Do primeiro segundo filho
Da primeira experiência de um filho calmo
Do primeiro terceiro filho
Da primeira pecinha dos filhos
Da primeira viagem da família
Da primeira viagem internacional
Do primeiro animal de estimação
Da primeira medalha dos filhos
Da primeira apresentação séria dos filhos
Do primeiro filho entrando na faculdade
Do primeiro poema do filho do meio.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

capítulo 1: do processo de criação

Sempre me disseram que toda narração possuí algumas características: enredo, lugar, tempo, e personagens. Talvez tivesse mais coisas, mas só me lembro dessas mesmo. Bem, sendo assim, seria bom eu te informar acerca disso: o enredo gira em torno de um amigo de um amigo meu, que foi, como muitas vezes já havia feito, lanchar em uma casa de sucos em frente de onde ele estuda e lá deparou-se com situações incomuns, que levam a um desfecho interessante o suficiente para ser narrado; o lugar, como já foi mencionado, é uma casa de sucos, apertada, comprida, feita em sentido longitudinal, de forma que o balcão fica de um lado e os bancos do outro, com o caixa no fundo, tem paredes brancas com azulejos coloridos, como a maioria das casas de sucos, servem sanduíches e hamburgueres bem naturebas, todos os tipos de sucos, açaí com uma enormidade de coisas, saladas, e também possuem alguns pratos feitos, desnecessário dizer que estamos no Rio de Janeiro, Brasil, mais precisamente no bairro do Cosme Velho; encontramo-nos há umas três semanas atrás, ou seja, junho de 2009; o personagem, que já foi levemente mencionado, é amigo de um amigo meu, não sei seu nome, mas lembro que é alto, magro, e tem cabelos pretos, é meio calado, meio falante, gosta de pintura e de desenhar, das saladas verdes com azeitona e alho, daquelas figuras que chamam de "olho mágico", que quando você olha de um jeito certo, ela vira uma imagem 3D, e de escrever poesia. Além dele, aparecerão também: Alexandre, o balconista da casa de sucos, sujeito simpático, que já virou amigo do protagonista por conta da fidelidade deste à casa; Maria, uma colega do colégio, que o protagonista acha atraente, mas meio idiotinha, e que vai lanchar na casa de sucos; e uma mulher muito cheia de não-me-toques que o protagonista acha uma escrota. Bem, acho que falei de tudo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Intervalos de gritos

Mulher idealizada, feita de vento e nudez.
Cabelos curtos e cacheados, negros como seu olhar
Sensual.

Levita-me do frio
Calor na espinha
Somente com os cílios.

Dá a volta ao redor
Do meu mundo.
Se contorce toda na cama
Não dá sossego.

Em giradas seguidas do corpo, da boca
Das suas nuvens de espírito
Ataca-me
Enforca-me, com sua alma de arame.

Me perdi em ácido sulfúrico
Em viagens astrais, supralunares
subinfernais.
A dança dos sátiros e das mênades.

O espeto da coroa de Cristo
A síntese de toda uma vida
Expressa na nudez de um deus
Na ponta de um risco
De um rabisco alugado, malvado e único:
O meu traço interminável e interligado:
A traça dos meus próprios papéis.

Rasg!Rasguei tudo e joguei na fogueira!
Chama a chama!
Chamuscado enxuto e inenxugável,
Sob a chiado inchechante e chato
Das chamas!

As mesmas que me aquecem sob a coberta
Nas noites que chovem a beça,
Com a cabeça coberta de ideais mil
Sufocado pela fumaça, pela fúria e pelo fogo.
Gritando! Gritando muito!
AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!
Nhec, nhec, nhec.
Fuc, fuc, fuc.
Ploc, Fissss, Pof, Pou!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Penas

I.
Era um ar cheio de nada
Não tinha nada
Nem vida
Nem morte

Não tinha expressão
Ou cheiro
Insípido, inodoro e incolor

As coisas secavam
Mas nunca morriam,
Pois da morte não dependiam
Para serem semi-mortos
Mas quase sempre secavam.

Tudo seco
Tudu secu

Os lábios rachavam nos beijos
E o sangue não molhava.

II.
Mudo meu modo.
Mamãe me mensagiou
No celular.
Tenho assuntos mais importantes
Que a secura de uns.
Ou talvez não.
Não, não tenho.
III.
A terra toda rachada,
Como os lábios antes referidos,
Emanava um calor e zumbidos
Que faziam o ar de nada
Dançar.
A pele estava em carne
Mas não era viva
Era simplesmente
Seca
Ao lado do casal de namorados
Secos, no deserto do sertão
De seus modos cheios de nada,
Havia um passarinho triste.
Pululava no solo insalubre
Das serelas e sestas esquecidas
Em querelas de passarinho
Metido a poeta.
A pena do passarinho
Era cadenciada, muito suave
Estufada, como peito de atleta;
Graciosa, como peito de ave.
Suas linhas eram muito lentas
Tinha uma plumagem de cores escuras
E passava, passarinho, fome.
O casal não tinha penas.
Não tinha nenhuma pena.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mineiro


Povo poeta, ribeiro, cigano,

Povo de religião,

O povo mineiro


Os rios gelados das serras

Mineiras lindas e tristes,

As mais bonitas do Brasil,


Carregam o canto nostálgico

E existencial de diversos Eduardos,

Que escrevem poemas como esse.


Eles volvem ao Rio

Às praias do Rio

E vão à São Paulo

Às praças de São Paulo


São altos como suas montanhas

Azuis, verdes, cinzas,

Brancas praias de rio

Com margens de sal.

Nas matas das bordas

Onde cresce o pinheral

Triste, de olhos cândidos.

Nele pousam os sabiás.


O amor dos mineiros

É o silêncio

Das quedas d'água

O amor mineiro

É a água gelada

Dos rios de Minas


E, como os rios de Minas,

Os mineiros choram,

Os mineiros enlouquecem,

E carregam as folhas mortas,

Suas lembranças da nascente.

Escher




terça-feira, 2 de junho de 2009

Marinha

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...
Eu sofro sem pena a vida.

Dôo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...

E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.

Aqui, na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia e nada que desejar,
Farei meu sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 1 de junho de 2009

ciência mente

O que a ciência não atinge
A mente admite.

O que a mente não admite
O coração alcança
E se a última que morre é a esperança
A morte atinge seu limite

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Canção do Micróbio


Nós, que nesse aquário,
Que é a nossa gota d'água,
Nessa farra do boi,
Vivemos,
Nunca percebemos a nossa existência
Microscópica
Como que trancados em um armário,
Presos numa vida ridícula,
Em uma lâmina, numa película.
Sempre solitário,
Na nossa vida de protozoário.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O dia de hoje

O dia está extremamente bonito hoje
As nuvens dançam
Coreografadas pelo vento e pelo sol
Que ventam e soleiam

Esticam-se, elas, as nuvens
Distendendo pernas, braços e pescoços
Num ritmo quebrado
Fazendo muitas formas
Extremamente plásticas
Sob o céu azul

São bailarinas contemporâneas
No palco do firmamento
Ao som do próprio respirar do dia
Cantado por esta mesma poesia

De repente, adentra a rolinha
É protagonista
Solando em braçadas rápidas
Nadando, voadora, o céu sem fim

A rolinha, tola como só ela,
Acrescenta notas à música do dia
Notas da sua própria alegria
Tola.

Ela não vê as nuvens.
As nuvens não veêm nada.
Não são humanos, e, por isso,
Não dançam,
Não rimam,
Não nadam,
Não nada.

E este é só mais um dia comum
E eu, que sou só mais um
Poeta triste
Esqueço desse dia,
Acabo essa poesia.

domingo, 17 de maio de 2009

Às Revoluções

O tempo passou e a nós comeu.
Nós, humanidade, seres humanos:
Culturadores, racionais, científicos, geniais,
Nós fomos todos comidos.

O que nos resta da beleza das revoluções?
Por que perdemos a ingenuidade das gerações passadas?
Temos algumas memórias arrancadas,
Pedaços flutuantes, galopantes, inconstantes
Como o clima.

Ah! o clima!
O agente da destruição e da redenção;
Cadavérico ser, com as mãos sujas,
Molhadas, roxas.

O que são as pirâmides do Egito?
Ou as árvores centenárias dos parques?
Seres empalhados por essa velhice
Que escorre como seiva,
E voa na poeira das areias das revoluções.

Tempo maldito em que vivo!
Inundado de morte e hipocrisia.
Afunde-se! Afogue-se!
Pois as águas da minha melancolia
São mais altas que o céu.
Cantando nosso grito de guerra,
Elas cavalgam pelos tempos, pelas eras,
E Cronos, nosso inimigo, nosso réu,
Munido de sua foice dos demônios,
É soberano sobre nós,
Mas não controla nossa vontade.
Se é só na força da amizade
Que posso contar para não ser vencido,
Nela permaneço,
E espero, e esqueço,
Pois também eu serei esquecido.