quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Fruta-bicho-homem

Eu sou um fruto esquisito
Como uma pitaia.
Duro por fora
E esquisito por dentro.

Carrego uma nostalgia polpar,
Um veneno que, as mais das vezes, me faz bem.

Não luto e não faço o que penso,
Muito embora deveria fazer.
Mas penso que luto enquanto não faço,
E o meu pensar e o meu não fazer
Me fazem, muitas vezes, negar o que penso.

Agora que caí no chão, debaixo dessa copa frondosa
Observo bem as minhocas, os vermes pútridos,
Que nem tenho certeza se são realmente sujos.
São meus amigos, intensos e mudos.

Aos poucos invadem o meu ver,
Aos poucos me consomem.
E eu que sou fruta-ser
Metamorfo-me em bicho-homem.

Onde o vento faz a curva

Tem um novo vento.........
Sente?
Sensível sempre,
sibilando nas frestas secas
dos segredos sussurrados.

Eu peguei o caminho errado
naquela curva do vento
ali atrás.
Ouvi uns sons estranhos
uma música estranha.
Mas aí acordei com o perfume do vento
nas minhas narinas abertas!
Suspirava silencioso:
contraste quase hostil
à barulheira de antes.

Queria só te encontrar
Numa praia, na beira do mar
Fazendo a curva num cante qualquer
Vento querido.
Queria te ver, tocar,
queira te sentir nos meus dedos
leve como o ar, lindo como o céu
Feito da pureza do papel
nascido das cinzas das folhas
dos retalhos de memórias
das fatias das fotos
rasgadas nas águas do choro velho,
aquele rio esquecido, há tanto,
que dá nesse mesmo mar,
onde o vento faz a curva.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Canção do meu céu

Sou agora capaz de compor
um milhão de poesias
tamanha a minha nostalgia

Tanto choro, tanta reza
tanta alegria
tanta tristeza, quanta tristeza!

Qual o poema que mais tem travessias?
Qual o poema que mais tem poesia?
Qual?

Recitando-os, revendo-os, todos eles
de Homero às Flores do Mal
onde está a poesia?

A poesia que me toma conta
me domina, me arredonda
E, tomado por essa onda,
me espanto e me expando
Ex-namorado, ex-filho,
ex-eu,
Caminhando nas fotografias
que me fazem chorar
lembrando desses tempos de inocência
e de perene alegria

Nas rimas que faço
há algo daquele tempo
um tempero... um cheiro!
Sempre sinto os cheiros mais incomuns
Esse deve ser um deles
Mas é reles isqueiro
perto do fogaréu
dos Meus mundos, da minhas impressões
mais insanas e desgovernadas
mais bobas e apaixonadas!
Tão jovens, tão intensas!

Ah! fotografias!
Deviam ser feitas do material mais
divino! E todos os anos atrás
refeitos na sua filha e cria
gritam como pássaros selvagens
presos nas redes da nostalgia.

E quando choro, choro por mim
e por tudo que fui
e não sou mais.
Por Eduardo, por todos os meus
Eduardos.
Tempo tão feliz!
que esperava desde que nasci!
Agora que passou, perdi,
Já foi.
Agora, eu já morri.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A República

Formei o meu canto
o meu respirar
como uma pasárgada.

Ai, ai, queria voar
pro meu recanto
onde todos são amigos.

E lá, nas serestas
nas serelas, serenatas,
sergipes, ser-tudo!
Seria maravilhoso.

Tudo se resolveria
na minha república
fechados na caixa
dos olhos de nostalgia.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Soneto às nuvens

As nuvens são as flores do verão
que desabroxam quando especiais
E os detalhes mais superficiais
exageram com líquida atenção

Cada pingo na palma de uma mão,
cada poça que deixam para trás
refletem suas águas siderais
as nuvens que viajam pelo chão

Nuvem mais linda, feita do silêncio
chega tão serena, só que no cio
e rosna com seus trovões de alegria

Sinto o teu cheiro de eterna ressaca
e em teus raios de luz, feito faca
rasgo em pedaços minha fantasia

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um Segredo Revelado

Sinto em lhe falar tão diretamente
Veio na mente é melhor dizer
São coisas que se presas machucam
Expurgo, assim, o mal de uma vez

Nunca antes me senti assim
Como calado por muito
E triste por pouco, por menos
De uma tristeza que não cabe em mim

E eu, finito em tanto nesse fim,
Feri-me ao ver-me tão mal com isso
Esperava me curar do mal que fiz
E que não fiz. Veio, então, um impulso.

Impulso vago, impulso fraco
Mas ainda assim veio.
Não há palavras pra traduzir
A vaguidez com que passou

A vaguidez com que, no meio,
Caía em mim de ridículo,
Parei e comecei a rir,
E, em seguida, a chorar.

Um choro mais profundo
Que o ridículo do impulso
Mais aterrador que as mais tristes
Memórias e fotos e filmes

Estes eu não me esqueço
E as lembranças me carregam
Num barco sem mastro
Sem leme e, pior, sem âncora

Embriagado na imensidão de cores
Das vagas assassinas que me levam
E me fazem do lado de fora
Vomitar todas as dores

Eu sou um vidro de amores
Que quebrou na imensidão do céu
E espalhou, em nuvens cinzas
As flores do último inverno

Quero expelir esse brilhante inferno
Fazer das dores um pacote seu
E entregar-me, nu e de braços abertos
Como o Cristo, para uma morte pequena

Queria fazer de mim um tirano
E um mártir, além do mal e do bem
Apenas um amigo, tolo, mas próximo
Mais próximo e mais amigo.

Prometa que não conta à ninguém
Esse segredo tão escondido
Tão escondido que te contei
E agora todo mundo sabe.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Estética

A menina que é vermelha
subiu no alto de uma árvore
com seu pirulito cor-de-rosa
e seu vestido cor-de-telha

É tão doce o mel da abelha
e é tão doce o seu sorrir
que transforma em poesia, prosa
e faz o dia, rubro, ir dormir

Lá no alto, a menina, tão nova
tão vermelha e bonita e libidinosa
lambia lentamente o pirulito

como a chuva lhe lambia o corpo
E o corpo, que caía e gemia
na poça, treme, sorri e jaz morto.