quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Excultura

Feita de fogo e argila
Camufla seu feito feito à faca
Afasta seu afeto e afeição
- faustino enfeite que me fila

Conforme o efeito
- afeita à fascinações -
Enfeita-se, toda ninfa,
Feito pedra sabão,
Ofertando, felina,
Cada fatia do seu não,
Todo o afeto da sua exclamação
de pedra.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

cyber-menina

o seu corpo tem um toque
que o bit do Brasil beija e balança
nosso espaço para um rock
um beat sideral que um ping lança


pés tortos de curupira
respirar ar - pixel corrompido
alimenta o leito lambido
de leite do peito com vírus suspira


tua teta aponta o teto
como antena parabólica
e a cara encara clara
seu olhar de tropicália

sou o hacker do seu site
Ó, menina cibernética!
faltam quantos gigabytes
pra baixar sua internet?



domingo, 7 de outubro de 2012

Samba de Outubro

A zona sul se cala sua tristeza
O rap virou samba de segunda
O funk não venceu na minha urna
Quebrada pela própria correnteza

A zona norte já pediu arrego
Tim Maia se revira no seu túmulo
O síndico mais mala desse mundo
Tem merda recuando pelo rego

O centro disso tudo é só fachada
Tombada pelo patrimônio histórico
Poleiro de uma palha empalhada
Destaque desse carro alegórico

A zona oeste é longe pra caramba
Não fecha com nadinha que eu crio
Eu digo que a cidade é só samba
Porque me dizem que somos um rio



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Sílaba

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Correio

Esquece a fossa, meu querido
Não vê roça onde tem mar
Se essa rua fosse minha
Eu mandava te entregar

Já te dei o que eu tinha
Dentro de cada vestido
Advertida e enganada
Eu em ti, invertido

Me veste de tudo e nada
Mas desiste desse mal
Se é sincero, eu sou tua
Até o fim do carnaval

sábado, 15 de setembro de 2012

O Bexiga

Um amigo estrangeiro, depois de algumas semanas de insistência, finalmente o convencera de saltar de asa-delta.
Kit era o tipo de cara perfeito pra esses esportes: marombado e maconheiro, atlético como um elevador; mas Citônio, que recentemente tivera uma pneumonia depois de assistir à final de fórmula um num bar recheado de abelhas-cachorro, estava mais pra nado-sincronizado que pulos voadores. Kit tentou convencê-lo de todas as formas, chegou a lhe arranjar ingressos para um bar mitsva guei num barco de um empresário rico, comprou-lhe pantufas novas, e pagou-lhe, inclusive, por um seguro de vida caso o salto fosse trágico. Nada lhe convencia. Foi só depois que Citônio fracassou pela quarta vez na prova de ingresso para o Régio Conservatório de Acordeão Local, e decidiu afogar as mágoas num mix de vodca Trótski com própolis das abelhas-cachorro que o dono do bar recolhia com uma rede de caçar borboletas, que Kit o fez jurar e assinar que iria fazer o salto no próximo fim de semana ensolarado.

O dia chegou, o sol brilhava como uma gaita nova, e Citônio vestia-se com aquelas roupas de tecido sintético, um tanto arrependido de ter tão boa caligrafia quando está bêbado. Pra quem já pulou de asa-delta, este parágrafo pode ser ignorado - vou tentar descrever a sensação pra quem nunca o fez. Depois da válvula de adrenalina acionada exatamente no momento em que só te resta correr e pular, vem aquele diabólico tremer na próstata que precede um orgasmo, acompanhado daquele eriçar de cabelos meio clichê nos esportes radicais. A urina congela na saída do túnel e suas pernas correm sozinhas, porque os olhos não desviam sua atenção do abismo geográfico (literalmente, claro) que te resta à poucos metros, melhor dizer, poucos segundos. E quando o vento ácido da corrida transforma o medo em determinação te resta um último micrésimo para gritar qualquer maluquice!
"FODAAAaaa...!!" gritou Citônio, quando caiu como um... foguete, vá lá - é uma comparação meio óbvia, mas eu acho bonitinha - sobre as florestas secas da cidade. "Foda" é, por sinal, uma ótima escolha de palavra pra se gritar, caso se almeje algo "gritável" (palavra que aqui significa qualquer coisa que se diz quando se foge de um animal selvagem) e, ao mesmo tempo, de complexa tradução para outras línguas. Isso porque usamos "foda" tanto como substantivo, como adjetivo, quanto como verbo. E se encaixa em frases iguais as vezes com sentidos opostos.
E foi gritando "Foda!" que Citônio voou como uma cotovia apaixonada. O ar exalava um cheiro de maresia e um frescor arenoso. Citônio sentia-se alegre, com vontade de cantar belas canções, de jogar isqüéch e de pentear os cabelos! Cada fibra do seu corpo se condensava em excitação, numa euforia budista sem tamanho.
Mas, naquele momento, os telejornais da cidade alertavam estado de calamidade pública: o calor do dia escondia um evento climático exótico e pouco comum que ameaçava a vida de todos que pesassem menos de 240 quilos: um tufão tropical - apelidado carinhosamente de Bexiga por comunidades helvéticas da América do Sul depois de uma votação disputadíssima na internet (Pum, Pluft e Pandora acabaram dividindo os internautas amantes do 'P') - formado por camadas intercaladas de ares frios e quentes trazia consigo uma chuva intensa e, claro, muita ventania: as baratas se alojaram em seus ninhos de argila; os bares fecharam, abandonando seu lixo nas ruas: os bueiros fecharam com o lixo dos bares: a cidade inundava pela terceira vez em menos de quatro meses.
Citônio, pego de surpresa, tentava segurar firmemente suas asas, pensando que, no final das contas, pentear o cabelo teria sido inútil. Via a água subir rapidamente, como corrida à vera de criança, uma massa líquida terrível que tudo abraçava com sofreguidão. Tudo termina na água: a cidade submergia com velocidade, os carros varridos dançavam como formigas sem trilha; as pessoas se afogavam como pixels; e as antenas parabólicas brilhavam como pequenos peixes. Citônio agarrava-se à ventania, segurava no ar com toda a força da vida.

Foi apenas depois de três dias voando em meio à chuva infinita, com as pestanas congeladas e com cabelos permanentemente despenteados que Citônio percebeu que voava sobre o Atlântico. As nuvens abriram uma pequena clareira, como uma janela que se desembaça no meio, e Citônio pode notar as constelações do norte à lhe guiarem. Ele viajava com muita muita velocidade como... um foguete, pode ser. As ondas elevavam-se e desciam, como batimentos cardíacos, a maré mudava e desmudava. Então, depois do quinto dia, quando Citônio conseguira capturar sua primeira carpa voadora com os cadarços soltos das polainas, ele avistou terra firme!
"FODAAAaaa...!!" gritou, dando razão a plurissignificação que eu apontara. Nós temos muitas habilidades escondidas, prontas para despertarem, como um animal selvagem (palavra que aqui quer dizer qualquer coisa que mereça um grito ao ser vista), nos momentos de perigo ou necessidade. Mesmo sendo seu primeiro voo, Citônio não teve dificuldade em descer do céu nublado, cinza como filmes velhos, e pousar na praia adiante, repleta de restos de um avião que caíra perto. Era um avião de correio e, entre as encomendas empresariais, as cartas de amor, álbuns de fotos, chaveiros, vinhos importados, placas de rua e LPs de astros da década de 60, Citônio conseguiu encontrar comida e balas Juquinha. A refeição foi breve, mas suficiente. Levantando-se, começou a caminhar num sentido onde via prédios ao longe. Perdido, mas encontrado, Citônio seguiu reto, achando as ruas, túneis e auto-estradas estranhamente familiares. As placas liam-se em português, as árvores eram semelhantes às de casa.
Ao entrar na cidade, pelos fundos, sobre um enorme viaduto circular, Citônio teve certeza: estava numa cidade idêntica à que morava! Abismado, olhou melhor, em busca das serras, florestas e praias que povoavam sua cidade natal. Não era exatamente igual: as descargas das privadas giravam em sentido contrário, e os livros de kama sutra exibiam posições invertidas: esta cidade era um inverso exato da que morava! Correu, atrapalhando-se como quem se penteia em frente ao espelho, em busca de seus lugares conhecidos. Cruzado pelas pessoas que o ignoravam de modo invertido - pegou um ônibus pela porta de trás numa linha de número ao contrário e saltou em casa. Estava lá. Reflexo da que sempre morara.

Os anos se passaram e Citônio já se acostumara àquela vida de revés. Nem tudo era exato: algumas pessoas não mais existiam ali: Zepelin, seu grande amigo, sumira; mas Trivela permanecia. Próclise, sua dentista barbuda também não morava ali. Conheceu um novo professor de acordeão, que se chamava Assíduo e conseguiu passar na prova do Conservatório local, que era um inverso perfeito do outro. Paracelso, colega da escola, também morava ali, mas não tinha 3 rãmisters, mas 3 sapos de cores diferentes que sabiam cantar em acordes em tom menor.

Citônio aprendeu que tudo que sobe, desce.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da janela do ônibus

Da janela do ônibus eu vi o Rio passando
Escorria como ressaca
até as poças do Aterro.
Eu te liguei e você atendeu
E a sua calma era um berro
já que não tem mais você e eu

Da janela do ônibus eu vi o Rio chorando
Escorria como samba
e molhava Botafogo.
Eu liguei pruma amiga querida
e ela me ouviu e veio logo
porque é vindo e vendo que é a vida

Da janela do ônibus eu te vi se molhando
Escorria como criança
de blusa branca e short rosa.
Eu te vi e fiquei te vendo
sabendo que você está toda prosa
pois minha poesia aguou no relento

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Acontece

Sem amigos, irmãos, namorada
Sem eira, nem beira,
Sem nada.

Nem um piscar de adeus
Nem eu e você,
Nem você, nem eu.

O nada aconteceu
Sem final romântico
Sem estrelas, só o Atlântico.
O verão inverneceu.

O que me aconteceu?
Seu seio virou palma.
Nem tripas, nem alma,
Sem você, sem eu.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O que é o seu armário?

Meu universo de vestidos.
Não guardo rancores ou malícia.
Achados e perdidos.
Cobertores de amores,
Afagos, e carícias:
Só o que sobrou.

Debaixo dos caracóis,
das meias, saias, lençóis,
Uma visita torta.
Como algum poeta.
Como uma invasão.
Porta transposta e concreta,
Caminho sem volta e sem visão.

Entre o fecho e o trinco
Entre e feche o trinco
Entro e fecho o trinco

A poesia dos que passarão,
De quem é fingidor,
Que mesmo em face do maior encanto,
Ainda prefere morrer de amor.

Não sei o que é o meu armário.
Se é de pano o seu recheio,
Se é de pássaro sua cor.
Mas, se acessível for,
Depois do momento imóvel
Visto vestes de vento,
Me lavo e me passo à vapor.

Não sei o que é o meu armário,
Mas ele está aberto,
E quem rompeu-me o lacre
Não me olha mais de perto.

segunda-feira, 26 de março de 2012

À Luz da Memória

Acabei de retornar de uma sessão cinematográfica dupla no cinema que há pouco se chamava Arteplex e que agora mudou o nome pra alguma coisa com o Itaú Cultural. De qualquer forma, assisti "Mr. Sganzerla", de Joel Pizzini, no Festival É Tudo Verdade, e, logo em seguida, "Pina", de Win Wenders, em 3D. As impressões foram tantas, que decidi arriscar esse pequeno ensaio, à título de reflexões sobre arte que eu sempre aspiro fazer. No entanto, me acho incapaz de proceder de maneira muito organizada com o pensamento: o que resta são frases a serem interligadas, numa coerência, no mínimo, questionável. Não há metodologia para esta análise, somente a paixão do momento experimentado, o que, pra mim, não invalida nem um pouco sua importância ou autoridade.

A primeira coisa que me saltou aos olhos, foi a grande quantidade de artistas sobre os quais os filmes versavam em suas temáticas. Não só é evidente os dois diretores citados, mas também seus objetos, Rogério Sganzerla, nosso xerife prodígio do cinema, e Pina Baush, que é, pra mim, a criadora da dança contemporânea. E depois, Helena Ignez - a musa do cinema brasileiro! - e os bailarinos transculturais da companhia de Pina; e, ainda mais tarde, a grande quantidade de outros personagens do filme de Joel (Orson Welles, Grande Otelo, Guará, Jimi Hendrix, Paulo Villaça etc) e seus técnicos e também a equipe técnica de Win Wenders, que só vem confirmar a percepção de qualquer realizador de cinema de que esta é uma arte grupal, essencialmente. É uma profusão de personalidades mais ou menos conhecidas, onde depositamos mais ou menos prazer na visão delas. E o que fiquei pensando longamente era de onde viria esse prazer especial em assistir à essas pessoas? - qual a magia destas projeções que nos refrescam com um caldo imagético de vida tão potente que nos faz esquecer completamente da realidade para entrar em seu mundo de sonho?

Sobre este assunto já se debruçaram incontáveis pesquisadores com muito mais estudo e respeitabilidade do que eu, mas isso não me importa muito e, longe de querer, inicialmente, oferecer uma resposta positiva ou elucidativa sobre esta questão, prefiro somente esboçar algumas linhas que possam dialogar com essas reflexões anteriores - sem, claro, ignorá-las.
Inicialmente, podemos pensar no prazer incrível que o cinema evoca em sua belíssima projeção de imagens, as suas cores e luzes que tocam algum lugar da mente. Como eu comentei, sua semelhança com os estados de sonho é evidente: um espaço escuro, uma criação sem limites (como enuncia Sganzerla no filme): uma liberdade infinita; um espaço interminável de concretizar nossos desejos profundos. Esta é, sem dúvida, uma percepção importante, e válida para todos os filmes, de uma forma geral, afinal, boa parte deles se destina à nobre sala de projeção (que recentemente não é assim mais tão nobre...). No entanto, essa explicação não parece abarcar algumas outras questões que se formam: e os filmes que não adentram esse "espaço nobre"? e por que alguns filmes, mesmo dentro deste espaço nobre, não preenchem tão completamente essa satisfação? nesse sentido: o que tem feito a produção contemporânea de cinema - e, ainda mais longe, a produção contemporânea de ARTE?

(Quem sou eu para responder essas coisas todas?)

Me parece cada vez mais que a contemporaniedade se debruça enormemente com a questão da memória - e com isso pretendo dar alguma explicação a essas perguntas. A memória se assemelha ao sonho, em algum nível; a memória nos agrupa como "humanidade"; a memória é tudo o que nos resta depois da morte de Deus e depois da completa destruição da linguagem clássica que nos preencheu durante séculos seguidos os impulsos criativos.

Sobre sua semelhança com o sonho, pouco tenho a dizer. Deixo essa questão aos meus colegas psicólogos para me desenvolverem depois. No entanto, pra mim é fato perceptível que os sonhos assumem cada vez mais espaço nas nossas produções artísticas - isto porque é uma resposta impressionantemente forte ao absurdo existencial que nossa humanidade vive, com certeza, desde a Primeira Grande Guerra (tendo como seu gigantesco profeta a figura terrível de Nietzsche). Neste lastro incluo a produção de pessoas como Franz Kafka, Samuel Becket ou Arthur Adamov que, longe de aforismas insípidos sobre a validade da vida estrangeira que levamos (a única que existe, claro) - como colocados por Sartre ou Camus - descobriram na risada irônica a maior das respostas, talvez a única possível. Não estou me colocando acima destes personagens monstruosos: a colocação de Camus sobre o suicídio permanece, mas enunciada de maneira diferente - aqui, o absurdo de viver é digno de piada, não uma monstruosa barreira às ações (como o é à Hamlet).

Além disso, a memória é um fator necessário para a existência do grande grupo que chamamos Humanidade e que, insistentemente tentamos nos incluir (ou nos excluir, em alguns casos). Que ligação mítica é essa, também não sei dizer: esse tipo de questionamento é melhor respondido por aqueles que estudam esses processos (de novo meus colegas psicólogos) ou outros excêntricos, como Jodorowsky ou Joseph Campbell. Ainda assim, para Hannah Arendt, a História é determinante para esse sentimento unificador traduzido na palavra Humanidade, e é evidente que qualquer busca pela memória popular é uma forma de se inserir historicamente. O filme de Joel é exemplar nesse sentido - sua busca por arquivos (que preenchem quase a totalidade do filme) e por materiais de outros filmes caminha nesta descoberta da Humanidade.

E talvez tentando unificar os dois parágrafos anteriores, percebo também uma ausência de norte para qualquer criador. A destruição da linguagem que chegamos em meados do século passado tornou difícil qualquer aproximação inocente neste complicado terreno que chamamos arte. Os processos, agora, não são colocados de forma coerente por nenhum manifesto - as produções são dispersas. Sobre o que e - pior! - como devo criar? Nesse cenário, qualquer agrupamento teórico politizado me parece infantil, uma percepção pequena (e, porque não, alienada) da nossa condição como seres humanos absurdos. Assim, não estamos mais na época das soluções totalizantes, das vanguardas e das políticas. Preferimos, ao contrário, nos inserir historicamente, ou melhor, percebemos, finalmente, que essa é a única colocação ainda com vitalidade: a exibição desenfreada de memória. Só assim, me parece, podemos explicar a simultaniedade de filmes sobre personalidades, mostras sobre Péter Forgacs ou David Perlov e aberturas de novelas das 6 em fotos e filmes antigos.

E, finalmente, por quê? Por que a memória?

Porque, mesmo que apoiados nestes destroços de linguagem que nos restaram, a questão primordial - o TEMPO - permanece e sobre ele é que versou todo o lastro de arte contemporânea e, arrisco colocar, de arte de sempre e sempre. Diante do tempo inexorável reagimos como podemos, criando a humanidade, a linguagem e suas novas e novas apresentações - a arte - e tudo o mais. Quando todo o resto que sempre nos reuniu (fosse o belo, o bom, o certo ou qualquer outra coisa) fracassou, somente a memória restou e sobre ela (nossa própria vida vivida) nos debruçamos lancinantes, aproximando-nos cada vez mais de algum grande apocalipse, a única coisa que existe no final deste comprido túnel.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Flagrante

Quando vi que era distante
apontando com uma lente
- captura de instante
que assalta de repente

Mas quando vi que era corrente
a água que refletia aqueles olhos
acertei em cheio o transplante
de sorver seu olhar flagrante