sexta-feira, 28 de junho de 2013

toda gosma já foi inseto

Era um dia como hoje, céu branco, dia branco, sem chuva, com vento; dias raros e frescos, anunciando alguma coisa ou não dizendo nada, normalmente os dois, sem maiores eventos que caminhar, olhar e ser visto. E pela rua, não mais atento que você, caminhava um percevejo marrom, um inseto simpático e quase fofo. Era um dia branco e caminhava um percevejo marrom pela rua antes da chuva e com frescor. O percevejo se chamava Ignor e, embora ele mesmo não aspirasse muita coisa, todos diziam que tinha um futuro promissor. Futuro é uma palavra irônica para nada, uma potência amorfa da causalidade, que insistentemente as pessoas tentam controlar, mais do que os percevejos, deve-se destacar. Promissor, por sua vez, já é uma palavra que denota potência no futuro, ou seja, futuro promissor não é só uma expressão irônica, como um pleonasmo quase maldoso. Mas, curiosamente, este percevejo, Ignor, de fato, teve um futuro promissor - ou melhor, um presente prometido.
Nesse dia branco em que ele caminhava pela rua um passante distraído esmagou-o com um sapato azul. Foi nesse exato instante em que a sola preta do sapato azul acarinhou suavemente as costas cascudas e marrons de Ignor que o percevejo teve uma grande inspiração; antes que seu exoesqueleto se rompesse sonoramente e ele se metamorfoseasse em uma pasta bege e esverdeada, lançando sobre o ar, a sola, e uma parte exposta da meia vermelha do passante seu perfume icônico, sua vida transformou-se em sonho e o futuro promissor se fez presente prometido numa poesia irregistrada:

Rasgue todas as cartas de amor
Namore só pelos olhos, amada
solitária prisão compartilhada
via de mão dupla inevitável

Calma pessoa, não me faça nada
Sou o mais adolescente escritor
de uma virgindade inescrutável
inenarrável casca, ela aprisionada

Mas a sua mudez me ensurdece
Quando fala é cantada
quando namora é prece
- o amor transparente transparece

Se duvido da cor mais que dos esses
Talvez minha dor seja emprestada
dessa morada vazada pela amada
virtude indescritível do silêncio

O vão infinito apequenece
No branco do dia - a refração
te espero sem cartas, palavras, sem ação
meu futuro promissor não me esquece


quarta-feira, 19 de junho de 2013

Fogo

Todos os fogos
Nos meus olhos visíveis
as cores geladas dos trópicos
o fogo

Não é que eu aprove
Coca-colas molotov
mas também não escove pichação mole

nada de hipocrisia da moral tele-mares
Palavras débeis
bradescos protestos anarquia
Anorexia dos nexos
esses issos e nadas
Decapitação e esquartejamento de tiradentes
exibimos corda e carne no museu
na televisão o vírus da paz branca e suja
Somos o novo velho
Natimortas moscas

É melhor abortar ou ser estéril?

O grito virtual das massas
O choro animal das turbas
Fogo dança nas avenidas
Vamos comê-lo

Sem folhas globos estados
O carinho do fogo cruzado de flores e fumaça
Mais cosquinhas sangrentas e humanas
Meu corpo quer crescer, porra
O céu que o cruzeiro resplandecia de fogos mil cem vezes

O tira atira eu me atiro nos tiros
e tiro o que resta da minha testa magra
os miolos removo com as mãos
exterminate all rational thought
sou só a cinza desse beijo

terça-feira, 18 de junho de 2013

eu mal fui vaiado

eu canto as mesmas moscas
da aurora da minha escada;
nas drogas de aluguel e nos vídeos coagidos
nas chuvas de papel e nos murais engolidos

esse limbo colorido
essa escada já cantada
os arrotos de outro dia já disseram:
"pela paz pela paz que eu não quero seguir"

a polícia aliciada ou não
tudo é lícito - tudo convém?
invés de grito, um verso? Inversamente:
a poesia suavemente gritada ainda é certeira?

Acertada como um tiro de borracha
como uma pedrada à gás, arrastada
o rio ria, arriado e ridículo
rasgada a fachada, as faixas e as bandeiras
os bandeirantes e as avenidas
não me mate como um mendigo na candelária
não me arraste pro número da hipocrisia animal
apareça velho esperma da minha cabeça
e meus órgãos, e meu sangue, e meus nãos
são a minha bandeira ideal

Ou nas nuvens ou nas entradas
eu te vi na multidão cem mil vezes
eu te achei do meu lado cento milhares
sentei no chão suado de você
e chorei o seu raspão no telefone agonizado
Nunca a espera foi maior que amanhã
Mesmo. Quem abrirá meus olhos direito?
O direito eu entendo, não te entendo morte vã

segunda-feira, 3 de junho de 2013

transparência e simultânea

quanta pouca dessa tanta nada vida
pode caber no mesmo instante?

Me perguntava isso à caminho
quando uma música
me perguntou insistentemente o contrário de mim:
você é invertido ou está espelhando só?

gelei, escorri pro seu site
morri, renasci no seu colo
assei, soquei seu assopro

É isso - vale aquele instante só
só contigo
solo sem pré encontro
Determinadamentíssimo transaparência

amor delicado tranquilo amasso
seu sempre assobio