domingo, 28 de setembro de 2014

yet not right there yet

há uma queda infinita depois daquela esquina
e se você não mordesse os lábios antes de mentir
eu teria caído atraído traído marido árido e ferido

acordar é sempre perder o mundo querido
como aquela esquina que esconde um buraco eterno
colado na sua testa não importa o quanto você ainda caia

antes de dormir a gente discute sobre nossas roupas
quando já não estamos enxergando bem de sono
eu já quase dormi e dormindo peço que você saia

acordado quero mil coisas que não alcanço
talvez porque podem ser contrários e autodestrutivos
como o gesto automático de dobrar esquinas

dormido fico repetindo o seu nome escrito num papel no bolso
e você aparece fixa como as fotos como memória
e não faz nada e sem nada fazer é simplesmente tudo

sem metáforas meias palavras sem roupas
nessa esquina você sussurra já bem próxima
você não fala não há som nem voz cor zero

eu sei o que você fala porque seus lábios estão colados nos meus
sussurro da pele como a lesma conversa com a pedra
e eu assinto sem entender nada de nada de nada


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

inspiração

Não dá pra fingir seja isso que insistem em negar; mas deseja. Deseja ser. E fica calado, de cara feia no canto querendo muito ser tantas maravilhosas possibilidades, não exatamente desgostoso do que é ou possa ser, não que seja também apenas uma singularidade, claro que não, mas a brisa de praia morna no dia de sol, quando você não espera que possa fazer tempo bom numa cidade tão merda, isso sim é algo não pensado, e daí novas teias de aranha, como as janelas de um arranha-céu, se abrem no espaço recolhido da mente, naqueles sei lá quantos porcento de cabeça nunca usados integralmente, germinam nos brônquios e alvéolos sombrios dos cantos do pulmão, viciados no gás carbônico de dezenas de anos - uma inspiração.

Pois nas profundezas de ser alguma baleia rasteja na lama submarina ou sobe enorme, majestosa, enorme para sorver aquela brisa fresca, fria e boa, num dia de sol, magnânima, de verme esponja dispersa como fumaça argentina, como tinta óleo apagando infinita no oceano, como uma molécula de álcool que se procura nos mares do mundo, até ser céu, astronômica, as ondas paredes d'água fria, a realeza baleia monstro assopra e inspira - tudo.

E linda submarino vivo lentamente regressa ao abismo, imigrantes na goela.

Aqui é o céu sagrado de estrelas de sóis e luas de toda constelação ou nuvem, aqui, nesse canto de paredes fechadas, na casa sem nascer do sol, aqui, onde meu coração para pra escutar os pulmões do cérebro chorarem e cada ponta, cada canto, cada ser se repete se reflete se repele como notas jogadas no universo, as vezes som, outras sentido - me beija astronauta.

E linda submarino vivo lentamente regressa ao abismo, imigrantes na goela.

sábado, 5 de julho de 2014

seguinte

A bruta ideia sobreviver acorda toda cagada.
Sua. E, no parágrafo seguinte, é menos abstrata.

Seguinte: caminha pelas ruas todos os dias, bicho doméstico, frases convenientes, aquele papo todo, aquela história toda, insônia e tudo mais, música triste a vera, ironia, a lente da desdistorção, sabe?, esse sentimento arrogante (talvez) de presença mais elaborada, menos alienada, menos servil a um certo corpo sem-órgãos (vomitando tudo, ligou o foda-se legal), menos inconsciente das inconsciências possíveis, mas.
Seguinte: ajuda. Socorro. Socorro.
Seguinte: a terra vai girar em volta do sol muitas vezes ainda, e em cima dela o que? Precisa. Não dá, não é possível evitar a convulsão, o mijo cheio de sangue, coisa demais vazando, energia pra onde não deve, e de menos pra onde deveria, exaustão, desespero antes de dormir, de gritar, de berrar de horror pro escuro, pro medo da porra de. Overdose. Sobrecarga.
Seguinte: caminha pelas ruas de olhos abertos e atentos e procurando o que? Mesmo que não saiba, a busca é mais importante que o. Quê?
Seguinte: sim e não, tudo em círculos dentro do cérebro, uma festa inteira armada, luzes piscando, roupa linda, charmosa, elegante, e vazia - festa vazia, sem ninguém mesmo, bebe até esquecer, até sozinho habitar com tudo que uma festa tão bonita tem direito. A festa segue por um tempo, acredita que tudo bem, é assim que são as festas, uma hora alguém vai chegar. De duas, uma: alguém de fato chega, tipo muito atrasado, mas chega, veio, beleza, a festa vai começar pra valer agora, irado. Daí bifurca outra vez: a pessoa é foda, arrebenta, dança até o chão, caí dentro, trouxe coisas, acrescenta, a festa pode ser só isso; daí bifurca outra vez: pode ser maneiro isso ou não; ou quem chega finalmente tá fedendo, a roupa dele(a) é feia, estraga todo o clima das luzes, das músicas, do funk, não trouxe porra nenhuma e vai direto nas paradas caras, detona a porra toda, filho-da-puta, tava melhor sem ninguém, festa escrota da porra, que merda, caralho. Ou, de fato não vem ninguém, festa solitária. Segue.
Seguinte: quê?
Seguinte: ouvindo música enquanto conversa com alguém que adora no chat online do computador, a sua música diz sobre, capricha na escolha, funciona, ele(a) começa a adorar de volta, talvez, ou é só impressão, dúvida escrota, quem não queria não ter essa dúvida, hein galera? a dúvida tosca de insegurança amorosa que povoa toda a humanidade, tadinha. Caprichosa escolha de música swingada & romântica & descolada. Dúvida elementar do ser: sou legal? Segue.
Seguinte: abre a braguilha e sente o púbis alheio que romanticamente se deixa ser apalpado pela mão que lhe abre a braguilha das calças, pêlos cuidados, e o carro tem vidro fumê, sei lá como se chama essa porra, é vidro escuro, privacidade garantida, as poltronas foram puxadas pra trás, abriu-se um espaço algum pra isso, por enquanto é só a mão que abriu a braguilha e escorregou pelas roupas íntimas anteriormente escolhidas pelo dono(a), a mão acarinhou o tecido, deu meia-volta, mergulhou na superfície da pele coberta dos pêlos cuidados - péra! - não, volta, era outro tecido, mais fino, se enganou, ainda não é a pele, inesperada superfície nova por baixo da roupa íntima pré-escolhida, círculos com o dedo ali como quem diz, tá tudo sobre controle, e mergulha novamente para a lânguida superfície da pele, a epiderme rosa, não, outra roupa ainda, desce mais, mas tem outra merda de paninho, seda ou o caralho que for, que porra, mais um: ad infinitum.
Seguinte: programadores de informática comem lanches de fast-food dentro da sua limusine. Todo mundo sabe disso. Eles moram nelas. E fazem tudo ali. Cocô. Xixi. Tudo. Eles hackeiam sites de grandes corporações multinacionais que invadem países subdesenvolvidos fodidos e vendem canudos feitos de nicotina para a super-valorizada merenda das escolas públicas criando uma geração inteira de viciados. São os caras das limusines que nos salvam quando denunciam esses filhos-da-puta estupradores e eles não pedem nada em troca. São anjos, eles. Segue.
Seguinte: não adianta mais escrever, isso não salva, não. Qual história poderia contar, a da família de peludos, todos cobertos de pêlo, completamente, no rosto, nos membros, tanto os homens quanto as mulheres, cheios de pêlos e eles andam de quatro, a da pista de dança onde uma criança cai deslizando de joelhos no chão como um astro do rock ou um jogador de futebol depois de um gol antes dele ser anulado pelo banderinha (gay, sempre gay, certeza disso), e ela acha aquilo o máximo e desliza, sem sacar que as tábuas estão velhas e levanta ainda sorrindo e demora alguns segundos pra sacar que ralou completamente os joelhos e está escorrendo sangue por debaixo dos seus shorts até seus pés e aí ela vê e começa a chorar, caralho, fodi meus joelhos! ou qualquer outra coisa, não adianta. O que pode mais acontecer?
Seguinte: a música que ouvia não tinha nada a ver com alguém outro(a). Não, é sua. Tá sozinho, olha o horizonte, a cidade sifilítica ali embaixo lâmpadas acesas & sinais de trânsito &  fosco reflexo de asfalto molhado, não tem tristeza maior que esse olhar que é realmente solitário, incompartilhável, pensa, e olha, permanece olhando, pra ver. Não vê. Não muda. Nada muda.
Seguinte: se contamina de qualquer tentativa, ainda que fraca, vã, tosca, ou ingênua, ou febril, ou adolescente, ou super sério, ou super intelectual, ou demais fechada, ou demais alegre, ou o que for, sendo mesmo o que tenta ser o que quer que isso seja, mas não, simplesmente não, quanto mais sim, mais não, e não o contrário, o não vem antes da frase terminar, simplesmente não, não, não adianta. E daí talvez não mesmo, ser isso, ser esse não, será?, o que seria isso?, mas antes de, não, também não.
Seguinte: caminha e olha e percebe e chora e ri e atenção e, querido(a), estou aqui falando super tudo isso aí, mesmo, totalmente, realmente, mesmo, e vem cá que eu te dou um chamego gostoso.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

admita

admite, você tem um grande medo de ser burro
medo grande, cresce em segredo
(ou quase segredo), esse medo grande, ferro
e você esconde, mas ele permanece
e desfaz seu sono, fazendo birra, berro
burro

admite, você não consegue acordar certo
acordar acorda, levanta desperto
(ou quase desperto), esse sono polposo, seiva
e você levanta, mas ele te amortece
e refaz seu sono, fazendo nina, noite
certo

admite, você parece muito um tatu
monstro tatu, gordo e secreto
(ou quase secreto), essa casca articulada, casa
e você descola, mas ela rola e fecha
e retrai seu corpo, fazendo costa, cu
tatu

admite, vamos, você não presta pra nada
nada presta, aresta modesta
(ou quase modesta), essa vida de trás pra frente
e você gira, retorna, mas o rio te vira
e trai seu senso, fazendo tudo, cada
nada

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Valparaíso

Valparaíso em chama
e as gaivotas se desequilibram
e os mortos fazem coro, o cemitério ecoa música subterrânea
e as fotografias se revelam em pleno ar, o mundo é ele mesmo fotografia, não se diz mais fotografia porque é tudo que é

Valparaíso me chama
para um banho gelado pacífico
para velórios carregados de choro, o ar mais úmido de tanto choro
para autoestradas alucinantes que vão sem saídas até a califórnia, transpacífica, um turbilhão de vento e planaltos

Hoje em dia tudo é hoje
hoje hoje, hoje amanhã, hoje semana inteira
Falta tempo
de uma vez

As pessoas são mundos
...que preguiça
não gosto nem do meu mundo
que dirá desses tantos

Alguma coisa segue seu curso
só me resta escrever
sobre a chuva de ar-condicionado
sobre a pasta chorume grossa nas sarjetas durante o carnaval

As datas se acumulam
tudo é hoje - falta tempo
...que preguiça, só me resta escrever
de uma vez

Valparaíso me chama
e eu não entendo o que mais poderia fazer
do que subir o morro, cada degrau gasto, poesia por poesia
e vislumbrar o mar, eterno;
cada lembrança presente boiando
cada um que matei
o entre céu e inferno
gaivotas sem norte sossobram
e as vinhas incendiadas derramam o último vinho,
o velório de todo eu

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

algo para o qual você não consegue voltar

alguém pôs a mão na frente dos seus olhos, fechou-os, tampou-os, e disse, e aí?
Era tudo isso.
Você tenta ter controle, não adianta, não importa o quanto se esforce, e você se esforça, pra controlar as coisas, não um controle... ruim, apenas um entendimento das coisas, não importa o quão se olhe, me olhe, aqui, na sua sua frente, e recebe o meu olhar de volta, você não consegue... controlar. E você quer dizer alguma coisa... shhh... não sabe dizer, nada, não há muito o que dizer, os olhos fechados pela mão de outro, um outro, eu outro, ou outro outro, que importa? Seus olhos estão tampados por uma mão que não é sua.
Era só isso.
Você tenta abstrair, não adianta, abstração é uma espécie de preto, um preto mais cinza, quase com cores talvez, com certeza melhor do que esse certo preto que você enxerga de pálpebras lacradas e mão de outro por cima, mas ainda preto, e, em alguns momentos, quando você delira nas cores cinzas desse preto, e subitamente percebe e entende que tudo é cinza, preto, você então percebe, não adianta, esse preto é mais preto que o preto. Que importa? Seus olhos estão tampados por um carinho que não é pra você.
Era só tudo isso.
alguém sentou no seu colo, as pernas abertas por cima das suas pernas, lascivo, lancinante, uma espécie de lacuna vaga entre os sexos, poderia dizer suspense, mas quem se importa?
Você tenta ter controle, não adianta, não importa o quanto se esforce, e você se esforça, pra controlar as coisas, não um controle... geral, irrestrito, apenas um entendimento das coisas, não importa o quão áspero se toque, me toque, aqui, na sua frente, e recebe o meu toque de volta, você não consegue... gozar. E você quer ser alguma coisa... shhh... não sabe ser, ou querer, nada, não há muito o que ser, ou querer, a lacuna vibrando como um choro contido, um choro, eu choro, ou outro choro, que importa? A lacuna é o mundo onde ninguém vive e todos querem e são.
Era tudo isso.
Você tenta rezar, não adianta, rezar é uma espécie de breu, um breu mais azul, quase com cores talvez, com certeza melhor que esse certo breu que você sente nas mãos e na lacuna de outro por cima, mas ainda breu, em alguns momentos, quando você delira nas cores azuis desse breu, e subitamente percebe e entende que tudo é azul, breu, você então percebe, não adianta, esse breu é mais áspero que breu. Que importa? Suas mãos estão quebradas por um carinho que não é pra você.
Era só isso.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

histórias neutras 2

Leo, você me alimenta ensina alisa afina limita lapida decifra acende sibila enrola aperta espreme descobre desvenda sugere empurra fornece germina come.
A odisseia começa aqui.
Leo, se ao menos você acordasse, se ao menos você levantasse; mas eu cuido de você enquanto isso, eu te amamento, pode deixar, pode me sugar à vontade, pode se sujar à vontade, pode se lambuzar à vontade, pode se servir à vontade, deixa a vontade te guiar, deixa que eu cuido de você enquanto isso.
Leo, eu visto branco no quarto branco de móveis brancos luz branca fundo branco grades brancas roupa branca e te coloco no meu colo branco e te forneço meu leite branco e te ofereço meu peito branco a minha alma branca; as mãos atadas em volta do corpo.
Leo, você ainda é quente como legumes como macarrão como cozidos como molho como língua como sopa; as vezes eu te perco das minhas mãos, as vezes eu não te sinto mais colado em mim, as vezes não te sinto mais me sugando e aí choro, claro; choro o leite branco que você não está tomando; choro o leite que você não está mamando.
Leo, por que você não me bebe agora? por que você não me chupa agora? por que você não me come agora? quero te sentir como um canudo.

Ela, tão sem memória, tão presa de si, explodiu a cabeça ontem. Literalmente. Pegou em uma pistola calibre 42 mirou pela boca, ela sabia o que estava fazendo, seu pai trabalhava com essas coisas, com psiquiatria, ela sabia onde estava mirando, ela pegou a pistola, enfiou-a fundo na boca, fez pontaria e puxou o gatilho.

Leo, quero te abraçar como antigamente, não, não como antigamente, quero te abraçar como aprendemos, daquele jeito que aprendemos juntos, eu ao seu redor como uma mãe.
Leo, se nada mais der certo, se eu não te achar, se eu secar, se eu não puder mais te nutrir, te cuidar, te proteger, quero por fim te comer.

Ela, atordoada olhou pros miolos arrancados a fogo da cabeça como quem contempla o próprio filho pela primeira vez. Literalmente. Pegou-o no colo devagar, zelosa, mãe: mostrou-lhe o seio esquerdo, ela sabia o que estava fazendo, o seio do coração, ela mostrou-lhe o seio esquerdo e deu-lhe de mamar com um sorriso inesquecível e um brilho de aviador nos olhos azuis.
Eu tenho que falar contigo.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

histórias neutras 1

Faz quanto tempo que cresceu esta folha na minha testa?
Você não vai me deixar só no oceano, estrela.
Todos esses mil, mil anos eu persegui algum momento que eu tentava me lembrar, como um sonho que escapa e que se ativa quando você revisita aquele local sonhado, como um déjavu, como um louco, louco eu me descobri nesse último ano. Tenho mais de mil anos. E fico olhando pra esse céu tão grande e uma certeza eu tinha: não tem outro céu, só este, só um, só, sempre.
De tempos em tempos eu tenho que me podar. Nas costas é mais difícil, tenho tentado não pedir pra minha mãe, fazer sozinho, mas ainda cedo vez ou outra.
O céu mudou um pouco. O céu parece que se deslocou nesses mais de mil anos, o eixo da terra se moveu, a minha mãe disse e é verdade, assisti uma reportagem a respeito depois daquela grande tsunami. Mas você permanece no céu, estrela, eu subo no mastro eu vigio o horizonte eu acendo os lampiões eu solfejo o alfabeto uma canção de ninar. O céu parece que se deslocou pouco mas um pouco, sim.
Entre as unhas têm musgo. No pé tem mais.
Eu oceano de você.
No meio do mar quando tem tempestade ou as ondas estão mais altas que pirâmides, as pessoas morrem e se afogam e se desesperam como formigas; elas finalmente percebem que nada que fizeram valia a pena, algumas podem se inflar de um vigor febril que eu chamaria mesmo lunático, embriagado com tal força da percepção da morte iminente que surge uma pretensa vontade. O que é a vontade de um homem contra o coração partido da natureza?
Os fungos cogumelos grandes, grandes eu uso para cozinha, cozinhar cogumelos. Eu tenho cogumelos na minha orelha, na minha cabeça, miolos-cogumelos mas não foi sempre assim; eu nunca me movi, por toda a minha vida eu fiquei aqui parado, quase inerte, e daí cresceu raízes e folhas e bichos na minha testa; mas quanto tempo faz?

Eu aproveito o máximo, eu juro; sempre horizonte, sem pés mais, de mãos no chão, mãos na massa, mãos nos bolsos, nem um centavo, nem nada que preste.
Você encontrou aquela foto perdida?
Os meus ramos foram acesos, como pavios, sério, alguém queimou as minhas pontas, como maconha, como um quarto fechado, trancado, guardado no fundo, fundo abismo mental, e as folhas foram queimando, acesas, como velas, como luzes de natal, eu era essa árvore de natal grotesca animalesca, meio céu meio oceano, sempre fui cego, mas vislumbrei brevemente esse pisca-pisca, esse lusco-fusco, essa madrugada nos meus galhos, eu ia acendendo devagar como o dia, eu era um amanhecer vegetal, cada ramo como um bruma amarela, cada galho cada braço cada membro desmembrado pelo fogo fogo fogo fogo, aceso até a ponta, sem nenhum explosivo, eu sempre perdi calado, eu sempre me fechei me escondi de tudo do mundo, de todo mundo, sem melodrama, é só fato, mas me dê licença pra falar desse dia, que eu queimei, alguém me acendeu e eu desapareci depois de milênios, milênios, eu queimei por anos e sumi do mapa, e o céu sumiu e...

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

as 17 melhores poesias

Notei subitamente que esse ano este blog vai completar 5 anos.
Então decidi selecionar dentro da feijoada de postagens - expressão que aqui quer dizer "enorme concentração de porcaria que no todo fica charmoso mas individualmente é um nojo só" - aquelas poesias - e especialmente as poesias, que foi o que primeiro me motivou a escrever - que eu ainda achasse que possuem algum brilho, alguma graça, alguma coisa qualquer e não fosse apenas um desperdício completo de tempo. Foi difícil. E não porque sobrava. 17 foi o número procurado, afinal, esse é o nome do blog: 17 poesias boas (pra mim) em 4 anos (selecionei as escritas até último dezembro) parece um número justo - palavra que aqui quer dizer "humildemente de bom tamanho" - e por isso, eu fico feliz - palavra que aqui quer dizer "simplesmente olhando reto".
Espero que aos inúmeros fãs desse blog este esforço sirva como aqueles capítulos de série que resgatam os anteriores e que quando a gente acompanhava as séries pela televisão apenas faziam algum sentido, pra você rever aquelas cenas queridas, mas que hoje em dia, com o advento do download, do VOD e dos seriados em DVD eles acabam sendo meio bobocas; e, para aqueles que se aventuram há pouco tempo por este "ateliê", que a nova etiqueta com os top17 poemas seja como aqueles álbuns meio jacus de greatest hits que a gente costumava comprar quando era caro comprar CDs e você só queria aquelas músicas mesmo, mas hoje em dia é meio inútil, porque dá pra baixar essas canções individualmente, ou simplesmente ligar o lance de músicas da NET na televisão, que só toca esses hits mesmo, ou baixar um torrent com a discografia completa e ir caçando os hits.

obrigado,
Ian Capillé

domingo, 19 de janeiro de 2014

ceci

se tudo fosse esquina, e encontro
(e arrisco dizer, travessia)
alguém ainda diria aquele encanto

eu tropeço, você trampolim
da mesma maneira
tem pena de mim

eu soluço, você selim
bate a poeira
sai traça, vem cupim

se tudo fosse esquina, e apartamento
(e quem sabe o que seria então)
traria na mão, em dentro
todo o tempo do pra sempre e do nunca mais
tudo que nos coubesse, entende?
o mesmo batimento
mas outra afinação
muda o tom, fica o sentimento

e é feito passado,
sobrevivendo de cinema e de saudade
é feito futuro,
só sorri nos sonhos e nas profecias
e é feito de presente,
de entrega e de ausência