segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

por exemplo, hoje

todo dia fazer alguma coisa
tem que achar alguma coisa pra fazer
todo dia
se ocupar
ocupa tudo, dizem
tem que se ocupar
dia após dia
achar o que fazer
acordar e comer e cagar
fazer atividades
um exercício
pro corpo e pra cabeça também
correr no parque
ou natação
ou um esporte
ou academia, que é mais prático, mas nem sempre tão prazeroso quanto algo ao ar livre, dizem
se ocupar
todo dia
acordar
levantar com o pé direito
tomar um café
um bom café
fazer um trabalho
um bom trabalho
quer dizer, ser útil
todo mundo é útil quando trabalha todo dia
e daí o dia todo o mundo todo é útil
o bom é quando a gente consegue trabalhar com o que ama
juntar o útil ao agradável
é o que todo mundo quer
mas nem todo mundo pode
porque tem trabalhos desagradáveis que devem ser feitos
todo dia
por alguém
tem que colocar comida na mesa
o pão nosso de cada dia
comer todo dia
comer é útil e importante
comer qualquer coisa é importante
comer bem é qualidade de vida
comida orgânica ou de origens conhecidas e saudáveis
tomar cuidado com a qualidade do que se come
fazer sua própria comida é ainda melhor, dizem
fazer alguma coisa
quer dizer, mesmo que seja só pra si
mesmo que seja só
acordar, comer, cagar
cagar o que comeu
comer o que cagar é inútil
assim como colocar o que acabou de comer pra fora pela boca
ou colocar o que se vai comer pra dentro pelo cu
isso não se faz
é importante ser útil
se ocupar
fazer um trabalho
todo dia

até o sol se por
e daí tem que se ocupar de noite
a noite também é útil
pode ser trabalhando também
ou passando um tempo com a família, que é importante
quality time, dizem
os serviços do lar, a vida doméstica
fazer alguma coisa com os filhos
com os pais, com os bichinhos, com os avós dementes
vê-los fazendo suas coisas
todo dia fazer alguma coisa
vamos fazer alguma coisa todos os dias
um dia não é um dia quando não se faz alguma coisa
quer dizer, o que é um dia quando não se faz alguma coisa útil?
alguma atividade, algum esporte, algum exercício, algum trabalho?
o que fazer?
todo dia tem que fazer alguma coisa, qualquer coisa
Acordar, comer, cagar, já serve
Sirva pra alguma coisa
Faça alguma coisa

Por exemplo, hoje

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

de cá

me perdoa
se é pra doer, doa
se é pra correr, dia
me perdoa
floresta curvilínea
tão linda tão linda
me perdoa
pela cera, pela cena, pelo choro
pela vela, pela coca, pelo drama
me perdoa
e se derrama brâmane
se for branco ou se der freixo
me perdoa
como no carro tremendamente nu
calor testa no peito
me perdoa
pelo corpo, pelo espasmo, pelo esperma
pela vastidão de planos pêlos e pernas
me perdoa
a falsa largada de bicicleta
o dirigir bêbado à beira mar
me perdoa
é tão simples dizer te amo
tão simplificado dizer te amo
me perdoa
de paris ou de lisboa
te ver me faz feliz

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ar tarde e triste

pequeno respirar de coisa miúda
pulso rabiscado
não se sentir ridículo
já é gigante
ver foto por foto por foto
atrás não sei de quê
quê graça ou sem graça
está entre cada uma delas,
no clique
do mouse
na tela
modigliani

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Coragem

chega de textos enormes
chega de cartas, mapas e direções
chega de tarôs e astrologia
somos se fomos poeira de festa
na contraluz

chega de ensaios escuros
chega de longas ou curtas reflexões
chega de mentira e gritaria
ser silêncio imensurável de memória
adeus adeus

sábado, 6 de agosto de 2016

bliblibli

foda-se
quero me eletrificar
na sua cara difícil de entender
eu tô morrendo queimando
aqui
quarto apertado
cadê
alguma coisa
eu perdi
eu não sei mesmo

vou dançar perdido
histérico
esquizóide caralho
apertado mesmo essa porra
dói na testa
quando eu penso
melhor parar de pensar
pra sempre
sei lá
i know your face
it`s all out of place
exterminate
terminate
all rational
tudo

girando
demais

segunda-feira, 13 de junho de 2016

tá tão tarde que tá cedo

o tempo passa mesmo muito rápido
eu sei que é coisa de velho dizer isso,  eu não sou velho - mas talvez esse seja um primeiro indício de algum tipo de velhice, de sinceramente sentir isso - o tempo passa rápido demais
E tantas pessoas ficam pra trás
E isso não é canastrice, nem bobo, nem tão óbvio quanto as vezes parece. Isso não é óbvio. E mesmo se for, as vezes é importante se lembrar do óbvio, não esquecer do óbvio.

enquanto você inconscientemente se afasta de mim operando pra que eu me afaste de você
enquanto subliminarmente você me odeia sem saber - e eu posso conjecturar uma porção de motivos pra isso, mas escrever soaria extremamente arrogante, depois você me pergunta
eu começo a me questionar de tudo que venho fazendo, e de sentir muita falta de emburacar mesmo
e começo a sentir muita falta mesmo de deslizar pelos corpos dos amigos, tendo uma certeza plena de ser completamente amado vitalmente, mineralmente, algo da ordem dos indígenas
e começo a sentir muita falta do horto, das ladeiras com cheiro de jaca, das casas e apartamentos ricos e enormes, e do sexo assustado das tardes, e dos passeios de bicicleta
e começo a sentir muita falta mesmo dos passeios de bicicleta, e de pedalar por toda a orla, de encontrar a galera no posto 9, de se impressionar com tantas novas descobertas possíveis, de namorar na praia, de tomar mate e comer coalho e fumar baseado e tudo mais e não gastar nem cinco reais, de voltar de bike pra tomar um banho só pra sair loguinho pra social na casa de alguém que estava na praia com absolutamente as mesmas pessoas que estavam na praia e mais alguns poucos outros, de ficar sempre com alguém escondido, tinha que ser escondido, e ficar maravilhado comigo mesmo depois,

e não estou falando do passado

porque me veio agora na cabeça que queria muito trabalhar com o vito, e ele me chamou, eu acho, outro dia, e eu não consigo por essas coisas na agenda besta, e eu não consigo administrar a matéria vital que realmente preenche os corpos, o meu corpo, e sinto sinceramente que estou vivendo errado
porque eu queria reencontrar tanta gente, como a diana hoje no café, ou a rafa que me chamou novamente deliciosamente pra mendes e eu não pude ir muito triste, pra bater o maior papo que já se viu na serra do mar
porque eu tenho tantos projetos de filmes e peças e coisas pra escrever, e quero conhecer tanta gente, e viajar com essas pessoas, e libidinosamente emburacar nelas e nas suas vidas

que matéria fina essa...
sut, tô preocupado com você, sabe que pode sempre falar comigo, e que eu vou sempre te escutar, e que meu amor por você está acima de qualquer julgamento de você, sabe? Que já somos cúmplices há muito tempo...
eu queria honestamente olhar mais pras pessoas, ou, pelo menos, saber dizer isso de uma outra maneira pra que soasse menos patético
por favor, venham me encontrar, que no pior dos casos eu vou bater uma foto nossa com a minha câmera, pra eu ter sempre certeza de te achar em algum caderno quando eu tiver preso na insônia, com o tempo desmanchando os cachos dos meus cabelos e meu coraçãozinho de menino
Volta por favor porcaria

segunda-feira, 23 de maio de 2016

amor retrô

amigos, é isso, tá decidido
cansado, assaltado, de coração partido
vou embora sem ninguém comigo
o mundo não tá pronto pra esse amor tão grande
enfim,
aqui o mundo é sereno
nada pop, nada cool,

amor retrô
que vaga conforme a lua
amor maré

amigos, é isso, refiz as malas
só livros, camisas, submarinos
a baleia desafinada pelos zumbidos
o oceano abissal dos nossos corpos indecisos
em vão,
aqui o mundo é sereno
nada led, nada pixel,

amor retrô
que vaga conforme a lua
amor maré

recua
recua
recua
recua

sábado, 14 de maio de 2016

quando todos acidentes acontecem

toda precaução é uma espécie de ódio.
toda precaução é contraditória.
toda precaução é narcisista.

você não sabe o que vai acontecer quando você cair do telhado
parece que a gravidade acaba

você desconhece o mundo depois dessa partida
suspeita-se que as pessoas sobrevivem

você ainda não viu seu próximo filho
vai que é a sua cara?

toda precaução é mercadológica.
toda precaução é recalcada.
toda precaução é paranóica.

quando conseguirmos olhar pras mãos e pros pés e não ver palmas e dedos mas minúsculos poros e linhas e pêlos e aporia colidindo com a poeira do ar,
então seremos os
próximos

quarta-feira, 13 de abril de 2016

boi tolo

Na cidade onde eu moro
mora também esse monstro
que chamam boi
mas pra mim tá mais pra polvo
que esmaga todo seu trajeto tolo
na tontura sinfônica dos seus tentáculos

Nessa cidade onde eu moro
se escuta todo ano
seu mugido violento, bruto monstro proibido
sempre desde sempre
desprendido
agarrando os bares e os tontos
fagocitose suada da síncope das suas tetas
vaca profana sem cornos ou caretas
avança através de qualquer parede

Nesse transe esquizofrênico de fritados colados por purpurina
Nessa terra em ebulição bovina
todos se tornam também esse dragão
não rebanho, mas matilha
não cardume, constelação
e eu no meio desse monstro sem centro
no centro da cidade sem meio
no risco absoluto desse chão
que retorna a terra, sem ser terreno
território sem não
olhei pra todos os lados apenas pra te procurar
no grosso, um
mesmo

que você
não sai da minha cabeça
e o desejo psicopata
de amar com cada parte
cada pata
cada presa
cada garra
batucada desprovida de marcação
coração atravessando o marcapasso
passo sem direção

repete na minha pele
- você toda doce suada só seguindo em frente
não sai da minha cabeça

quinta-feira, 3 de março de 2016

imagina em Cuba

Não
sei
se você já reparou
mas eu solto pêlo quando durmo
muito pêlo
e você solta muito cabelo

daí
aqui
em SP, achei
um cabelo seu na minha roupa

pena
que foi
só um só


cabelo, não

você

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

restante amor

resta eu te escrever, meu amor
resta eu te dizer o quanto eu te amei
e amo
aquele amor
que quer socar sua cara
e te tirar da foto

resta te afogar
no jardim do MAM
e dizer que a alegria do palhaço
é ver o circo pegar fogo
aquele amor
de subir em poste
que quer tomar porrada da polícia se for preciso

resta eu te escrever qualquer porra
amor
qualquer porra minha
que escorra pelo céu escuro
que rasgue seu rosto
que seja beijo e pau duro
e que você finalmente morra

resta dizer que a felicidade é tanta
que o amor transborda tanto
resta transbordar todos os buracos
todas as lajes e espaços
todos os cantos de toda a cidade
todo o carnaval das carnes e dos bares
e das purpurinas douradas

resta te matar
e me matar
e acordar
pra nunca mais
resta