quinta-feira, 24 de abril de 2014

admita

admite, você tem um grande medo de ser burro
medo grande, cresce em segredo
(ou quase segredo), esse medo grande, ferro
e você esconde, mas ele permanece
e desfaz seu sono, fazendo birra, berro
burro

admite, você não consegue acordar certo
acordar acorda, levanta desperto
(ou quase desperto), esse sono polposo, seiva
e você levanta, mas ele te amortece
e refaz seu sono, fazendo nina, noite
certo

admite, você parece muito um tatu
monstro tatu, gordo e secreto
(ou quase secreto), essa casca articulada, casa
e você descola, mas ela rola e fecha
e retrai seu corpo, fazendo costa, cu
tatu

admite, vamos, você não presta pra nada
nada presta, aresta modesta
(ou quase modesta), essa vida de trás pra frente
e você gira, retorna, mas o rio te vira
e trai seu senso, fazendo tudo, cada
nada

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Valparaíso

Valparaíso em chama
e as gaivotas se desequilibram
e os mortos fazem coro, o cemitério ecoa música subterrânea
e as fotografias se revelam em pleno ar, o mundo é ele mesmo fotografia, não se diz mais fotografia porque é tudo que é

Valparaíso me chama
para um banho gelado pacífico
para velórios carregados de choro, o ar mais úmido de tanto choro
para autoestradas alucinantes que vão sem saídas até a califórnia, transpacífica, um turbilhão de vento e planaltos

Hoje em dia tudo é hoje
hoje hoje, hoje amanhã, hoje semana inteira
Falta tempo
de uma vez

As pessoas são mundos
...que preguiça
não gosto nem do meu mundo
que dirá desses tantos

Alguma coisa segue seu curso
só me resta escrever
sobre a chuva de ar-condicionado
sobre a pasta chorume grossa nas sarjetas durante o carnaval

As datas se acumulam
tudo é hoje - falta tempo
...que preguiça, só me resta escrever
de uma vez

Valparaíso me chama
e eu não entendo o que mais poderia fazer
do que subir o morro, cada degrau gasto, poesia por poesia
e vislumbrar o mar, eterno;
cada lembrança presente boiando
cada um que matei
o entre céu e inferno
gaivotas sem norte sossobram
e as vinhas incendiadas derramam o último vinho,
o velório de todo eu