quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Rockland

eu não estou sóbrio
quando a escada se desfaz em telhado, vazio, inteiro, sacada para um vale cheio de neblina, onde os monstros do crepúsculo despertam como anjos da noite, sagrados músicos iluminados por postes cheirando à maconha e perfume, alisando-se com olhares e cerveja, prevendo prevendo prevendo

eu não estou sóbrio
quando a escola é feita só de repetições, verbetes, conceitos, fórmulas, cifras, símbolos, certezas, decorebas, amebas, átomos, quando a flor não desabrocha sem sentido, sem só sentir-se flor, quando eu tenho que explicar porque eu te olho mais que o mais e te desejo ardentemente sem nunca nunca nunca demostrar um pentelho disso

eu não estou ébrio
quando o meu cabelo se desfaz em cores, cortes, texturas, desvios, meu rosto se desfigura em sorrisos, barbas, espinhas, navalhas erradas rasgões buracos, sebos, sobrancelhas, cravos, gorduras, pelos, peles e mais peles, quando sou só pele e superfície e não danço só com as pernas, que se transformam como uma pajelança, atiradas do alto de saltos, travestis comendo fezes nos cantos

eu não estou ébrio
quando eros me dá seu arco, sua flecha, seu estalo e diz lambendo meu ouvido num sussurro quase inaudível não fosse a minha ejaculação precoce - semelhante ao ribombar do motor de um ar-condicionado quando reata no tranco (a geladeira também faz isso) no meio do sono - que eu estou um fruto apodrecendo a cada dentada

eu não estou lúcido
quando eu não me lembro de quase nada que me marcou ou me marca, quando eu te vejo, desejo, mas sou incapaz de fazer qualquer ato a respeito, desrespeito a mim mesmo, me atrevo a não me atrever a nada, fico imóvel, impassível, impotente, inimportante, tão drástica e dramaticamente inútil que é redondamente impossível - seria clínico, inclusive, se não fosse impossível - que alguém, você, note qualquer perturbação no ar, qualquer leve suspiro afetivo - é um zumbi que caminha, escutei, um zumbi que caminha inteligente

eu não estou lúcido
quando me perco na sua casa, me entrevo num caos de ladrilhos na parede, de tacos no chão, de cozinha sala quarto banheiro, de desenhos rabiscados, de luz fraca, cômodo cheio, cheiro enjoativo, bebida à rodo, fumaça de cigarro, reflexos na tevê, garotada falando alto, falando de cinema, olhar 43, gente desenhando retratos de gente que posam sem estar posando, são todos sempre poses, lindos anjos de juventude frágil espalhados como pétalas mortas sobre um chão de madeira

eu não estou bêbado
quando me correspondo em silêncio com a sua respiração pra cima e pra baixo, quando o mínimo toque levanta arrepios na espinha, erguem o corpo e é como se tivesse a sua vagina na minha mão e tremo, tenho calafrios enormes, clínicos, talvez, e me reergo herege ereto eriçado errado fraco aliviando minha comunhão secreta em versos, ou em sonhos, ou em tétricas tentativas vãs de ser mais alguma coisa a mais, como um possível poeta, um poetinha, um poeta menor, quando me imagino um rock star, admirado, e as gengivas se torcem na lascívia noite dos olhos fechados, de todos os olhos seus fechados

eu não estou bêbado
quando você dorme do meu lado e eu te ataco calado com o martírio sacrificial dos brochas e todos se imaginam em outro lugar, chamam isso de sonho, e nele só queremos, somos feitos de desejos primevos, de névoa e dança, de vermelho amargo, de réstia fagulha de jazz, de moderna atração pela cidade, de labirintos de palavras e livros, de viagens de verdade e viagens de mentira, de imaginados amigos, de virtuais coleções aleatórias espetaculares, de descaminhos, de desvios pelo fio da navalha clara do sexo jovem, de torrentes e mais torrentes de recalques mútuos comuns gerais (imagino) santificados pela matéria esgarçada do olhar mais puro de um eu para um outro você

terça-feira, 29 de outubro de 2013

RAPsodisséia d'espaço

Outside of a dog, a book is a man's best friend. Inside of a dog, it's to dark to read.
Groucho Marx

Um ritmo timbrado: é isso. Não, não tenta me entender só de me ver, me ler ou o caralho que for, só leia, veja (ou que caralho for, só execute, esbarra comigo, vamos dançar). Um ritmo timbrado, é disso que eu quero falar, desse ritmo que tem num olhar, seja ele apaixonado, admirado, ou triste, prestes a chorar: eu estou prestes a chorar te olhando, você saca isso, você sente isso, esse ritmo de vida que tem alguém que sinceramente pode te escutar e se sentir simples e singelo (singela força do universo, tão grande, e ele - você, ou eu, ou - tão pequeno) a ponto de falar: chora.

Não, não vou embrenhar nesse matagal, esse lodo, essa melação, sabe: aquele limiar lindo, corda bamba, do brega e do folk. Ouve isso MÚSICA. A Clarissa acabou de me mandar.

Gente, hoje é o meu aniversário - uma névoa se levanta na cidade quando olho pela minha janela (se é que você me entende). Eu me embrenho nessa névoa, vou ter que cantar junto:

Sincero enterro, o nosso
um poder mágico, você me abraça
você, névoa, me abraça
você, névoa, me abraça
você, névoa, me abraça
embaçado fiquei

Quem foi que enterramos?
Passado sádico, esse
desculpa
desculpem todos
a minha falta de tato
a minha falta de graça
sem-graça
sem-sal

Sincero blues; manda o blues, Breno: Canto Triste no seu melhor arranjo.
E daí a gente voa, sideral, bichos num foguete, o cachorro foi o primeiro a ver a terra do céu, ele sim, o primeiro, que será que pensou? Onde andará esse cachorro? Nós enterramos ele na neblina, no sonho infinito, no vagar devagar agora sempre. Tadinho nada.
Uiva
Uiva
Uiva, palavra linda, uivo, uivo: vermelho amargo - simples vermelho amargo, é isso! Achei (já tinham achado antes, vá lá): o ritmo timbrado é vermelho amargo.

obrigado, até a próxima

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

caravela

estava nela a caravela nela
a cara na chuva, a chuva na passarela
era bela a tempestade,
mela
tons de chuva em aquarela

nossa nave era uma janela
o inferno na terra
no mar o fogo, a chama, estrela
o verso gritado de um trovão
chão
oceano lambendo vagas,
língua nos lábios dela,
aqueles lábios
grandes lábios
fundos aliados, profundezas da perna

são ondas os olhos dela
aquela dita antiga ressaca
telúrica américa ereta
o mastro da caravela
aponta o teto numa prece
torce aquece espreme a água sua
sua vela estufa profana
duas velas pro céu aceso

desprezo no canto da boca do mar
assassino ancestral, irmã, incesto monstruoso
polígona estrutura
antígona
morre e fratura
cai no deque, dura

perdura!
vive! avança!
frígido olhar sem esperança,
a tormenta te grita
a onda te lambe, língua vaga, sem dança
ah! pau duro quebrado
ventos frios do seu lado
chuva chupa a proa, esse brocado
de trás, de frente, de lado

sem força,
sem corda,
sem vela,
sempre a força primeva
perdura na vigília
foi-se o sonho apaixonado
veio a insônia eterna

Seu poema (?) pouco obsceno

(seu mesmo, você sabe)

Eu te colocava nos moldes
(se disse isso, isso se podia)
Eu te metia nos conformes

Bati essa dura barra braba
No meu carro não
Desci a vida inteira nessa
contramão
Eu vou
Eu vou ser feio pra sempre

Eu metia
No reverso, do avesso
mentira minha, o inverso mesmo seria, né?

Não sei fazer isso (o "isso" é pra soar ambíguo mesmo) direito, você sabe, sou péssimo nessas horas de vamO vÊ - te olhava mais daí do que de cá.
Mas dava pra me olhar mesmo assim, digo, me encarar com a cara limpa. Por que a gente cismou tanto, se...? A gente tem mais espaço sem se ver, isso é certo; mas também, quem não tem? O sufocamento também dá prazer, não é?

Sempre esse sussurro
(e fique certa que sempre que ecoa esse esse pelos meus lábios vêm os seus esses nas minhas mãos, plurais e outros sexos, nesses sibilos sós)

Mas não exagere, não é nada demais
eu sei lá
eu sei lá
não tô nem aí

Também não se avexe
Depois de tantos tantos - que resta disso?

(não sei mesmo)