quarta-feira, 5 de agosto de 2015

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Nossa, eu conseguia sentir forte seu cheiro, como se você fosse a própria brisa do mar. Essas situações pedem depoimentos dramáticos, né? Realmente tem essas coisas que você só compreende essencialmente quando elas acontecem contigo - talvez a maioria das coisas - um conhecimento "corporal", "visceral", como costumam dizer, né? Como eu posso te explicar?
Começa pelo começo... (riso cheio de dentes brancos)
Poxa... bom, eu não queria usar a palavra "se apaixonar" porque ela é muito forte e muito usada vulgarmente como uma situação muito explosiva, romântica, né? Tem a ver com o que eu quero dizer... Bom, se você me permite uma digressão etimológica, acho que páthos é a parada que estou tentando achar, que é o radical de "apaixonar-se", né? É dessa "paixão" que eu queria falar, mas não queria que esbarrasse em "apaixonado", "apaixonada", pelo menos não por enquanto, me incomoda um pouco isso agora.
Tudo bem... vamos deixar de lado. (sorriso simpático)
Tá (sorriso sem jeito). É simples, é só que a gente praticamente não se conhece, nos conhecemos super randomicamente, bem aleatório, e eu estou curtindo pra caralho esse papo que estamos tendo, acho impressionante que tenhamos chegado tão fundo logo num primeiro encontro, né?
(sorriso com dentes, olhos fixos nos olhos)
Então, e comecei a sentir essa "paixão" difícil de descrever, uma coisa realmente corporal, vou até dizer fisiológica, entende?
(pausa) Tipo uma dor de barriga? (risos)
(risos) Não sei, talvez! (risos)
(risos)
(risos - pausa, olhar perdido, pensamento por trás dos olhos) Bom, não sei o que é, mas percebi que estava diretamente relacionado contigo, entende? Notei que é esse nosso papo tão fluido, né? tão fácil, tão difícil de se ter normalmente com uma pessoa estranha, e que isso me fazia muito bem e tive essa "compreensão corporal", tipo, meio que soube dentro de mim essa coisa que estou tentando te explicar, mas o mais importante é que é uma certeza, uma descoberta, feita pelo corpo.
(olhar interessado, talvez felino, talvez jeito sensual, talvez um botão da camisa se abriu sozinho, talvez dois)
(sorriso pálido de canto de boca, olhar apreensivo, talvez volátil, talvez tropeçando eventualmente em peito recém descoberto, ligeiro gaguejar, tentativa de disfarçar) E o mais estranho é justamente o que eu estava te dizendo que não gosto muito da ideia de "se apaixonar", acho uma coisa criada, "amor romântico", entende? Acho que projetam esse tipo de coisa na vida, mas a vida não é assim, né? E a coisa é levada a um nível absurdo, de "amor à primeira vista", entende?
Eu já me apaixonei a primeira vista. Eu não esperava muito que rolasse, mas rolou, e foi incrível, uma sensação de proximidade difícil de descrever...
Tipo coisa de filme, assim?
Tipo mais que isso. Tipo, em filme é apenas o momento de se conhecer, eles sempre terminam o filme quando o casal meio que se firmou e pronto - "felizes para sempre", ou alguma coisa parecida com isso que tem esse efeito. Mas isso o que eu estou falando é do próprio relacionamento explosivo que a gente teve. Foi curto e intenso. Foi muito importante pra mim. (rearruma-se, talvez note botões demais abertos, talvez feche apenas um)
É, acho que você entende, então, o que eu estou tentando descrever. Essa sensação corporal, esse páthos intenso de um encontro significativo com alguém, ou que te confere significado de algum modo, quer dizer, não significa nada, mas não é esse o ponto, o ponto é o encontro intenso, a conexão, né?
Sim... (sorriso)
Pois foi isso que eu senti, que estou sentindo ainda... e começo a desconfiar que talvez seja apaixonar-se, talvez seja amor a primeira vista, talvez seja isso tudo que eu sempre recusei, combati até... (proximidade, momento crítico, inclina-se para beijo)
(não se inclina, mantém olhar, não se reclina tampouco)
(apreensão, certa dúvida, agora não tem mais volta, inclina-se para beijo pra valer)
(aceita todo novo toque, recusa beijo olhando pro lado quando lábios quase colam)
(pensamentos por trás dos olhos, inclinar-se se torna abraço, respira fundo)
(recebe abraço, pausa, desfaz abraço, sorriso miúdo sem dentes, talvez mais dois botões se abriram, talvez note e feche apenas um)
(talvez note peito redescoberto, talvez certo grau de desejo sexual primário)
(pausa) Olha, é que eu não senti tudo isso que você falou...
Não, claro, não era esse meu ponto também... Aliás, acho que foi bastante exagerado o que eu falei.
Sobre a gente estar se dando tão bem num primeiro encontro?
Não, sobre apaixonar-se, entende? Tipo, não acredito muito nisso, é o que eu estava te dizendo, é uma coisa inventada, vendida, muito naturalizada, mas tem data de nascimento, poetas do século XIII ou XII, não sei bem... (olhar pro chão, ou pra longe, ou pra qualquer lugar exceto o outro olhar)
Sim, na Ocitânia.

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