segunda-feira, 26 de outubro de 2015

apnéia

Eu teria muito pra te contar do cativeiro - cheiro de urina e verniz e gasolina, texturas de paredes toscas, ásperas, trepidar e ricochete de geladeira de algum cômodo acima, cozinha provavelmente, torturas com choques elétricos e arrancar de unhas, cegueira, ridículo de chorar ou gritar ou espernear ou se inconformar, visitas frequentes de fantasmas, ânus, toca dos escritos, simples dor, talvez terra talvez não, acima o inferno, aqui a caverna, jogos de palavras, palavrões, bizarra disciplina perdedora de corpo e de mente, benção da água, língua, lágrimas, burburinho catatônico incessante da própria voz e de dentes seus, deformidade do corpo, imobilidade, jesus cristo, paladar de merda, cheiro dos órgãos, menos unhas que dedos, perda do medo e medo incessante... - entretanto talvez a terra na minha boca desfaça a aspereza dos fonemas, ou o trepidar dos lábios confunda as palavras, e de forma alguma eu quero transformar a complexa vida vívida vivida num ávido reflexo, num cuspe, num flashmob grotesco de insatisfação: talvez, portanto, eu precise desesperadamente dessa câmera, pra que ela seja a minha melhor arma, pra que ela mostre ao outro como eu o vejo, e principalmente, pra que toda lembrança do cativeiro - que revisito sempre nos pesadelos e nas filas do banco - seja revelada e mantida presa na minha jaula, como um frame na noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça da interrupção, um caminho novo.