Fazer poesia
é saber que cada verso que lhe escapa
a cabeça
se estupidesse no papel
inexoravelmente
por isso,
melhor pensar tapado
e fazer feio de qualquer jeito
do que pensar espertadamente
e esburrecer.
A gente faremos poema de casebre.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Seis quadras de feira pra correr
Uma feira zumbidante de vulvuzelas
Gritam - Açaí! Mexirica! Pau-de-sebo!
Os únicos calados são as estátuas humanas
pintadas de dourado.
Decidi ir voando até aí
mas, por falta de asas,
eu vou e ando
mais fácil, né?
Daí fui empurrado de tudo que é lado
e um peixeiro quase abre a minha barriga
Imagina
Chegar até você com as tripas de fora.
Dou um salto mortal
quando assalto a estátua humana
e corro até ti
esquecendo um chinelo pra trás.
Com aquele dinheiro
te dei um buquê de flores roxas
e dei entrada
no nosso apartamento
Ali na hora, no entanto,
naquele momento, entre gritos de zueira
decidi te dar um beijo
só com a força do pensamento.
Gritam - Açaí! Mexirica! Pau-de-sebo!
Os únicos calados são as estátuas humanas
pintadas de dourado.
Decidi ir voando até aí
mas, por falta de asas,
eu vou e ando
mais fácil, né?
Daí fui empurrado de tudo que é lado
e um peixeiro quase abre a minha barriga
Imagina
Chegar até você com as tripas de fora.
Dou um salto mortal
quando assalto a estátua humana
e corro até ti
esquecendo um chinelo pra trás.
Com aquele dinheiro
te dei um buquê de flores roxas
e dei entrada
no nosso apartamento
Ali na hora, no entanto,
naquele momento, entre gritos de zueira
decidi te dar um beijo
só com a força do pensamento.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Azar
Sobrevoando esses prédios
pensava que iria cair
tenho vertigem, sabe
mas doença sem remédio
é a miopia do existir
nos devaneios de ave.
Apassarinhando as cotovias
sou acotovelado sem par
já que a vida era de sorte ou azar
pra passarinho que não via
Essa é a moderna miopia
do desencontro de um par:
o sorteio ocular
do que ontem inda existiria
pensava que iria cair
tenho vertigem, sabe
mas doença sem remédio
é a miopia do existir
nos devaneios de ave.
Apassarinhando as cotovias
sou acotovelado sem par
já que a vida era de sorte ou azar
pra passarinho que não via
Essa é a moderna miopia
do desencontro de um par:
o sorteio ocular
do que ontem inda existiria
Acróbio, o poeta de calçada
domingo, 13 de junho de 2010
Dia dos namorados (ou Plongée)
Era a madrugada mais fria, gelada do ano. Os sinais piscavam em amarelo, as poças refletiam o amarelo, o asfalto sustentava as poças com seus reflexos - mas o seu reflexo era mais opaco. Raros carros passavam, pouca gente passava. Só Citônio.
Ele caminhava lentamente lembrando liricamente daqueles lindos dias de devassidão. Costumava sair muito com seus amigos de madrugada, catando mendigos por aí, contracenando com os marginais da meia-noite, recolhendo os colegas nas casas de cada um, bebendo cachaça e terminando no lixão afastado, ou na praia, ou no porto, ou perto da prisão, ou em cima de um viaduto. Agora, no entanto, caminhava sozinhamente. Começou a cair uma garoazinha finazinha.
Citônio contornava um muro altíssimo, todo cinza, todo reto, encimado por coroas enroladas de arame farpado e cacos de vidro rosa espetados. Citônio caminhava, sozinhamente. Ali, preso entre os labirintos do arame, havia alguns gastos sacos plásticos de outros tempos, que o tempo frio trouxe e ali eles ficaram presos, dançando, leves, com o vento. Eram como bandeiras de impérios caídos, rasgados, com seus restos tristes balançando - sozinhamente. Citônio pulou um bueiro encharcado de baratas. Olhou novamente para o alto do muro. Além dos panos plásticos percebeu que haviam pássaros - pombos - presos na rede farpada. Alguns pareciam já estar mortos, mas outros ainda tinham espasmos débeis e piscavam os olhos, sem compreender que findavam com as penas presas no arame. Citônio não se impressionou, mas franziu o cenho. De repente veio, muito lento, um carro, com faróis acesos muito fortes. Citônio continuou caminhando, mas meio cego pela luz forte. O carro passou. Citônio, então, viu algo mais bizarro. Ali, em cima, preso no arame farpado e nos cacos de vidro cor-de-rosa como os sacos plásticos, havia um poeta morimbundo, com espasmos tão débeis como o dos pombos, com olhos tão sujos quanto o bueiro embaratado. Estava roto, tolo, tosco; morria como um rato, roído pelo arame, rasgado pelo vidro. Ele deu um risinho triste, Citônio olhava-o, sério. Então, depois de alguns segundos, o poeta virou-se e viu Citônio, e, com a boca presa pelas garras do arame, disse, sem falar uma palavra: "Envalsei-me no veludo!"
Citônio nunca mais pensou noutra coisa.
Ele caminhava lentamente lembrando liricamente daqueles lindos dias de devassidão. Costumava sair muito com seus amigos de madrugada, catando mendigos por aí, contracenando com os marginais da meia-noite, recolhendo os colegas nas casas de cada um, bebendo cachaça e terminando no lixão afastado, ou na praia, ou no porto, ou perto da prisão, ou em cima de um viaduto. Agora, no entanto, caminhava sozinhamente. Começou a cair uma garoazinha finazinha.
Citônio contornava um muro altíssimo, todo cinza, todo reto, encimado por coroas enroladas de arame farpado e cacos de vidro rosa espetados. Citônio caminhava, sozinhamente. Ali, preso entre os labirintos do arame, havia alguns gastos sacos plásticos de outros tempos, que o tempo frio trouxe e ali eles ficaram presos, dançando, leves, com o vento. Eram como bandeiras de impérios caídos, rasgados, com seus restos tristes balançando - sozinhamente. Citônio pulou um bueiro encharcado de baratas. Olhou novamente para o alto do muro. Além dos panos plásticos percebeu que haviam pássaros - pombos - presos na rede farpada. Alguns pareciam já estar mortos, mas outros ainda tinham espasmos débeis e piscavam os olhos, sem compreender que findavam com as penas presas no arame. Citônio não se impressionou, mas franziu o cenho. De repente veio, muito lento, um carro, com faróis acesos muito fortes. Citônio continuou caminhando, mas meio cego pela luz forte. O carro passou. Citônio, então, viu algo mais bizarro. Ali, em cima, preso no arame farpado e nos cacos de vidro cor-de-rosa como os sacos plásticos, havia um poeta morimbundo, com espasmos tão débeis como o dos pombos, com olhos tão sujos quanto o bueiro embaratado. Estava roto, tolo, tosco; morria como um rato, roído pelo arame, rasgado pelo vidro. Ele deu um risinho triste, Citônio olhava-o, sério. Então, depois de alguns segundos, o poeta virou-se e viu Citônio, e, com a boca presa pelas garras do arame, disse, sem falar uma palavra: "Envalsei-me no veludo!"
Citônio nunca mais pensou noutra coisa.
terça-feira, 8 de junho de 2010
terça-feira, 1 de junho de 2010
Avistando-se
Te dei a chave pro meu coração
pra você que nem sabe o que eu tô sentindo
pra você que nem me entende direito
pra você que é cego e corre na avenida, solto
pra você que pedala na vieira souto
pra você que me vê envergonhada
pra vasta várzea da minha vida
que você nunca me viu
e que eu nunca te vi
e que, por coisas tão inexplicáveis quanto a poesia
por coisas tão banais e tão inúteis quanto a poesia
avistamo-nos.
Agora, me descobre
devagar, vaga, perde-se
que meu cabelo esconde os olhos
porque meus olhos não me escondem
pra você que nem sabe o que eu tô sentindo
pra você que nem me entende direito
pra você que é cego e corre na avenida, solto
pra você que pedala na vieira souto
pra você que me vê envergonhada
pra vasta várzea da minha vida
que você nunca me viu
e que eu nunca te vi
e que, por coisas tão inexplicáveis quanto a poesia
por coisas tão banais e tão inúteis quanto a poesia
avistamo-nos.
Agora, me descobre
devagar, vaga, perde-se
que meu cabelo esconde os olhos
porque meus olhos não me escondem
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