No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente...
Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma...
Fica-se longe, quase morta, como ausente...
Sem ter certeza de ninguém... de coisa alguma...
Tem-se a impressão de estar doente, muito doente,
De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente...
Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tão para lá!... No fim da tarde... Além da bruma...
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma...
Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Cecília Meireles
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