Pérgola, tadinha, era muito feia. Daquelas meninas que todos concordam que é bem feia. Até seus pais sabem que ela é feia. Nem vou descrevê-la pra ninguém acabar se identificando com ela e ficar ofendido. Basta compreender que ela é feia. E este sempre fora seu trauma.
Tudo mudou na festinha de quinze anos de Paracelso, um colega redondinho do colégio. Como sempre, sentia-se sozinha ali no meio de todos. Todos começaram a fazer pequenas apresentações - Colônico levitava a si mesmo e pequenos objetos; Paracelso exibia suas habilidades com malabarismo, que incluía facas, tochas e seus três rãmisters; Loirelinda dançava Na Boquinha da Garrafa. Pérgola a odiava. E não só ela. Odiava Trivela, a menina que jogava futebol; odiava Ruivadia, que usava um vestido repleto de brócolis; odiava até mesmo Taturana, que tinha bigodes felinos. Mas era Loirelinda quem era alvo de seu ódio mais mortal. Veja ela agora, dançando como uma calopsita com um vestido que mal lhe cobre as nádegas somente para que todos aqueles garotos fiquem sorrindo embestalhados! Até mesmo Citônio...
Pérgola se afastou, triste como um hipopótamo, sem saber que rumo tomar. Saiu do apartamento, olhando apenas o chão, passou pelo corredor, onde encontrou Trivela e Zepelin se beijando, e começou a seguir uma enormíssima fila de formigas, tão comprida que se bifurcava diversas vezes, entrava por banheiros e escadas de incêndio, labiríntica. Quando Pérgola deu por si, estava de frente para um espelho, dentro de um banheiro comprido.
Olhou-se, horrorizada com sua aparência. Como podia ser tão feia? Por quê? Sua vida era comprimida, como a camada de ozônio, por aquela feiúra imanente. Era como se todas as folhas de outono nunca caíssem e permanecessem secas em seu caule. Pérgola começou a chorar, sentindo-se dilacerada pelo próprio olhar, e as enormes lágrimas rolavam por sua face, escorriam pelo rosto até a ponta do queixo, pingavam no decote dos peitos, desciam pelo corpo e deslizavam pelas pernas até os dedos dos pés; ou pingavam do rosto nos ombros, e caíam-lhe pelas costas, escorregando pelas curvas do corpo e das pernas; algumas poucas saíam dos olhos para cima e molhavam suas sobrancelhas e seus cabelos, lavando-a completamente. O choro saía-lhe como tinta, lembrando aqueles pequenos cachorrinhos acuados, ganindo como um cisne. Em alguns minutos estava totalmente molhada, encharcada de choro. Aquelas lágrimas exprimiam toda a sua feiúra e, aos poucos e diante de seus olhos, Pérgola percebeu que, junto com as lágrimas, saíam seus ares de ogro e ela tornava-se uma moça linda, de olhos limpos, de faces brancas e cabelos ondulados; o corpo encurvava-se como vidro quente e ela sentiu-se a mais bela de todas as meninas da festa.
Não podia acreditar naquilo. Diante de si, no espelho, não havia mais aquela garota detestável, feia como catarata, mas uma moça muitíssimo atraente que piscava, incrédula, com um olhar mais sedutor do que vidro embaçado.
Voltou a festa e era nítido como, de repente, diversos meninos a olharam, interessados. Talvez fossem seus cabelos molhados, pingando em desalinho, ou o vestido que colara em seu corpo, mas a verdade é que olhavam para ela de maneira totalmente diferente do que ela estava acostumada. Ela não sabia agora, mas nunca mais conseguiria se secar, ficaria pra sempre molhada, pingando onde ia, deixando um rastro perfumado de poças atrás de si, como um caramujo. Linda e pegajosa.
Citônio entendeu o que é um OB. E um BO também.
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