bom, a gente sabe, né; tipo, é meio clichê aquela frase, não sei se você já escutou, mas várias coisas falam isso, filmes, séries, é bem lugar comum, que vai meio "é sempre bom ouvir que alguém te ama", mesmo quando você não ama a pessoa, é bom ouvir dela um eu te amo, ou coisa assim, é bom, nos faz mais feliz etc. Mas não sei bem se eu concordo com isso (naquela onda de que existem coisas que são mais verdadeiras quando não ditas - e é meio assim entre a gente), tipo, você sabe que eu te amo, eu não te falo isso, mas acho que você sabe e eu sei que você sabe e isso e aquilo e a gente meio que se olha (quando se olha) e sabe disso e convivemos com isso, e é "normal", você não me ama ou coisa assim, mas, tipo gosta muito de mim de uma maneira... amical (sim, essa palavra existe, é relativo a ser amigo) e meio que tem algumas regras (nunca ditas, mas que se estabelece com o olhar, né) de não ficar com ninguém na minha frente, ou evitar isso na melhor das hipóteses (se rolar não é o caso de pedir desculpas, seria ridículo, não precisa de desculpas pra uma coisa dessas, mas evita-se), coisa assim, mas fico sempre meio pensando o que rolaria se eu dissesse eu te amo pra você (ainda que você meio que já saiba), e acredito que o mais provável é estragar tudo que a gente meio que tem, vai rolar um clima estranho, vai acabar com a nossa amizade, coisa assim. Mas também (por outro lado) não é como se tudo fosse "normal" com esse mútuo discernimento de que eu te amo e não preciso dizer porque a gente já sabe e se eu disser estrago o que a gente tem, porque o que a gente tem é meio estragado já, ainda que seja só estabelecido pelo olhar e o respeito de pequenas regras (que não são bem regras, só acordos tácitos), então a gente meio que discute sem falar nada, ou rola climão em situações triviais porque existe isso e nós sabemos, coisa assim, e temos que fingir umas coisas as vezes, mesmo que nós dois saibamos que é fingimento, e fica escroto, porque eu não gosto de fingir as coisas - uma coisa é não dizer, outra é fingir mentirinhas, fingir que não percebo o que percebe-se etc. - e então meio que isso não funciona e o meu não dizer acaba por nos afastar, mesmo nessa situação amical e tácita de bons amigos, de melhores amigos ou coisa que o valha, mesmo assim, isso acaba não funcionando bem, então a gente se afasta e passa a ser fakes-melhores-amigos, sabe? Não está bem claro, mas talvez esteja dando pra entender, estou falando que é super falso, então não dá pra ser amigo na falsidade, sem uma cumplicidade uníssona, entende? E daí a gente se afasta e se afasta o suficiente (tanto espacialmente quanto temporalmente) que eu percebo que se torna um afastar pluri-verdadeiro, tipo, em todos os sentidos estamos afastados e saco que eu não te amo, porque nem sei quem você é, era só a fraqueza de dizer eu te amo, porque preciso amar alguma coisa pra que as coisas valham a pena, sabe, pra que eu queira fazer o que eu faço (já te falei, ou, se não falei, falo agora, que tudo que eu faço - ou fazia - é pra você, tem você na frente, no futuro, no objetivo, no olhar desejado), pra mim é importante amar alguma coisa, e não dá pra amar o trivial, o comum, mas, de repente, eu saco que você é comum: (esses dois pontos é meio o que eu entendo por "comum", tá?) meio hedonista, narcisista, marcada pela sua condição de classe e com pouco pensamento crítico a respeito disso, que curte umas modas meio "feijão com arroz" (sabe?) e nada disso teria problema se eu identificasse (o que eu costumava identificar) um sentido interior maior que superasse todas essas nossas (porque tudo isso que eu disse é meio super geral, qualquer um é assim, né) normalidades, humanidades, fraquezas vis, mas não, de repente não, de repente é ordinário, você é comum e sem condição alguma parece uma pessoa mais viva ou que me torne mais vivo. Isso é forte, me desesperou. Você pra mim era o amor redivivo; um cristo; um desespero de vida verdadeira clarificado na presença de um ser (personificado) - sim, tudo isso, você pra mim era tudo isso e não minto quando digo isso. Mas agora vejo que não - abro os olhos e vejo que não (ou, talvez, não mais, mas dá no mesmo): você é comum, e isso me desespera, porque agora o que eu faço não tem mais sentido último, nem olhar desejado, agora estou só, agora estou sem objetivo e tenho que lidar com isso sem metafísica alguma - que bom, alguns vão dizer, num sentido terapêutico para a minha pessoa; e eu, em algum nível concordo - você era a minha fonte de juventude, mas cansei de ser jovem, de ter espinhas e voz fina e barba ruim e cara de moleque, chega, eu era totalmente neurótico, acho que, em muitos níveis, essa foi uma primeira boa etapa. Mas isso não redime sua descida ao plano do real, isso te diminuí sobremaneira e a culpa disso é mais sua que minha, porque você quis ser normal - nunca foi, mas quis, quis descer, quis gostar de modismos fracos, de bobagens vis sabendo que não tinha sentido algum, e sua descida foi, portanto, deliberada da maneira mais canhestra que existe, e acho que foi isso, pra além da descida, que me fez sofrer e perceber essa vileza.
Ainda resta um problema: como achar meu colo perdido, aquele dengo, aquele chamego que só pode existir quando se espera muito mais que um amor comum, que um carinho baseado num desejo sexual praticado até sua saciação? Não quero ser objeto, mas unido. Você entende?
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