segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

histórias neutras 1

Faz quanto tempo que cresceu esta folha na minha testa?
Você não vai me deixar só no oceano, estrela.
Todos esses mil, mil anos eu persegui algum momento que eu tentava me lembrar, como um sonho que escapa e que se ativa quando você revisita aquele local sonhado, como um déjavu, como um louco, louco eu me descobri nesse último ano. Tenho mais de mil anos. E fico olhando pra esse céu tão grande e uma certeza eu tinha: não tem outro céu, só este, só um, só, sempre.
De tempos em tempos eu tenho que me podar. Nas costas é mais difícil, tenho tentado não pedir pra minha mãe, fazer sozinho, mas ainda cedo vez ou outra.
O céu mudou um pouco. O céu parece que se deslocou nesses mais de mil anos, o eixo da terra se moveu, a minha mãe disse e é verdade, assisti uma reportagem a respeito depois daquela grande tsunami. Mas você permanece no céu, estrela, eu subo no mastro eu vigio o horizonte eu acendo os lampiões eu solfejo o alfabeto uma canção de ninar. O céu parece que se deslocou pouco mas um pouco, sim.
Entre as unhas têm musgo. No pé tem mais.
Eu oceano de você.
No meio do mar quando tem tempestade ou as ondas estão mais altas que pirâmides, as pessoas morrem e se afogam e se desesperam como formigas; elas finalmente percebem que nada que fizeram valia a pena, algumas podem se inflar de um vigor febril que eu chamaria mesmo lunático, embriagado com tal força da percepção da morte iminente que surge uma pretensa vontade. O que é a vontade de um homem contra o coração partido da natureza?
Os fungos cogumelos grandes, grandes eu uso para cozinha, cozinhar cogumelos. Eu tenho cogumelos na minha orelha, na minha cabeça, miolos-cogumelos mas não foi sempre assim; eu nunca me movi, por toda a minha vida eu fiquei aqui parado, quase inerte, e daí cresceu raízes e folhas e bichos na minha testa; mas quanto tempo faz?

Eu aproveito o máximo, eu juro; sempre horizonte, sem pés mais, de mãos no chão, mãos na massa, mãos nos bolsos, nem um centavo, nem nada que preste.
Você encontrou aquela foto perdida?
Os meus ramos foram acesos, como pavios, sério, alguém queimou as minhas pontas, como maconha, como um quarto fechado, trancado, guardado no fundo, fundo abismo mental, e as folhas foram queimando, acesas, como velas, como luzes de natal, eu era essa árvore de natal grotesca animalesca, meio céu meio oceano, sempre fui cego, mas vislumbrei brevemente esse pisca-pisca, esse lusco-fusco, essa madrugada nos meus galhos, eu ia acendendo devagar como o dia, eu era um amanhecer vegetal, cada ramo como um bruma amarela, cada galho cada braço cada membro desmembrado pelo fogo fogo fogo fogo, aceso até a ponta, sem nenhum explosivo, eu sempre perdi calado, eu sempre me fechei me escondi de tudo do mundo, de todo mundo, sem melodrama, é só fato, mas me dê licença pra falar desse dia, que eu queimei, alguém me acendeu e eu desapareci depois de milênios, milênios, eu queimei por anos e sumi do mapa, e o céu sumiu e...

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