terça-feira, 23 de junho de 2009

Penas

I.
Era um ar cheio de nada
Não tinha nada
Nem vida
Nem morte

Não tinha expressão
Ou cheiro
Insípido, inodoro e incolor

As coisas secavam
Mas nunca morriam,
Pois da morte não dependiam
Para serem semi-mortos
Mas quase sempre secavam.

Tudo seco
Tudu secu

Os lábios rachavam nos beijos
E o sangue não molhava.

II.
Mudo meu modo.
Mamãe me mensagiou
No celular.
Tenho assuntos mais importantes
Que a secura de uns.
Ou talvez não.
Não, não tenho.
III.
A terra toda rachada,
Como os lábios antes referidos,
Emanava um calor e zumbidos
Que faziam o ar de nada
Dançar.
A pele estava em carne
Mas não era viva
Era simplesmente
Seca
Ao lado do casal de namorados
Secos, no deserto do sertão
De seus modos cheios de nada,
Havia um passarinho triste.
Pululava no solo insalubre
Das serelas e sestas esquecidas
Em querelas de passarinho
Metido a poeta.
A pena do passarinho
Era cadenciada, muito suave
Estufada, como peito de atleta;
Graciosa, como peito de ave.
Suas linhas eram muito lentas
Tinha uma plumagem de cores escuras
E passava, passarinho, fome.
O casal não tinha penas.
Não tinha nenhuma pena.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mineiro


Povo poeta, ribeiro, cigano,

Povo de religião,

O povo mineiro


Os rios gelados das serras

Mineiras lindas e tristes,

As mais bonitas do Brasil,


Carregam o canto nostálgico

E existencial de diversos Eduardos,

Que escrevem poemas como esse.


Eles volvem ao Rio

Às praias do Rio

E vão à São Paulo

Às praças de São Paulo


São altos como suas montanhas

Azuis, verdes, cinzas,

Brancas praias de rio

Com margens de sal.

Nas matas das bordas

Onde cresce o pinheral

Triste, de olhos cândidos.

Nele pousam os sabiás.


O amor dos mineiros

É o silêncio

Das quedas d'água

O amor mineiro

É a água gelada

Dos rios de Minas


E, como os rios de Minas,

Os mineiros choram,

Os mineiros enlouquecem,

E carregam as folhas mortas,

Suas lembranças da nascente.

Escher




terça-feira, 2 de junho de 2009

Marinha

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...
Eu sofro sem pena a vida.

Dôo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...

E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.

Aqui, na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia e nada que desejar,
Farei meu sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 1 de junho de 2009

ciência mente

O que a ciência não atinge
A mente admite.

O que a mente não admite
O coração alcança
E se a última que morre é a esperança
A morte atinge seu limite