OBITURÁRIO de CLARIM SPOILER
pelo poeta e cientista social Dínamo Helenânimo
É com muita honra e tristeza que levanto essas pobres palavras para homenagear aquele que foi o meu maior amigo, e um dos homens mais brilhantes que já pisaram nesse planeta - embora ele, de fato, relutasse em pisar por aqui. Obcecado por outros planetas desde que o conheci, Clarim Spoiler (as vezes chamado de Rif Waffles, nas suas primeiras peças, ou ainda de Ficto Profiterólis, quando assinava seus poemas ainda adolescente) recusou ser chamado de terráqueo, quanto mais, pertencer a qualquer grupo ou nação terrena. Sua ascensão aos céus, aos 24 anos, foi mais do que anunciada a todos seus amigos e parentes e parecia a melhor solução para o tímido e relutante niilista que ele se tornara. No bom sentido - extremamente desde muito cedo, criativo e inseguro, era-lhe muito difícil adaptar-se à vida cotidiana de todas as pessoas.
Incentivei-o a escrever assim que ficamos mais amigos; percebia nele a sede de ser escutado e, muito mais importante, a capacidade de dizer novas coisas ou de repetir melhor coisas velhas. Alguns tentaram empurrá-lo para o teatro, mas era óbvia a sua preferência pela escrita; assim, como dramaturgo, pareceu estabelecer-se no meio termo, em um lugar que lhe era confortável e no qual conseguia trabalhar criativamente e sem esforço. Então, aos 19 anos, um ano depois de nos conhecermos nos corredores de 15 metros de altura da faculdade de letras e línguas (curso que nenhum de nós fazíamos, mas gostávamos de frequentar algumas cadeiras) ele publicou, escondido dos outros por um pseudônimo, sua primeira peça, "Werther nas Estrelas", muito influenciado por suas classes de germanística e romantismo, teatro épico e a literatura alemã da república de weimar e cálculo 3. Embora na época tenha circulado apenas num ambiente universitário intelectual, costumava agradar todos que ficavam até o final, que era mesmo o arremate que fechava seu sentido. Muitos foram os críticos que, tendo saído nos primeiros quarenta minutos, fizeram resenhas totalmente afastadas do que a peça, de fato, trazia como reflexão. Sua segunda obra, "You don't Get Away", uma visão irônica da história como disciplina, centrada em dois personagens que podem mover-se no tempo e solucionar todos os problemas da humanidade, causou escândalo com uma cena na qual Maomé convertia-se ao judaísmo depois de ser derrotado por Salomão em uma partida de ping-pong. Por ela, Clarim teve que se esconder por meses na casa de amigos, pois foi jurado de morte por grupos extremistas tanto muçulmanos, quanto judeus.
Clarim parou de escrever e de estudar depois que namorou e morou com a atriz Nana Senóide, a qual conhecera acompanhando os ensaios da montagem daquela segunda peça, onde ela fazia o papel de Lâmbida, uma méson-mi existencialista e sensual. Nós três viramos um grupo de amigos e morávamos praticamente juntos, porque eu não saía da casa dos dois - não é à toa que, depois que Clarim foi morar no espaço, eu e Nana tenhamos nos casado. Clarim, foi, portanto, o responsável pela melhor coisa que já me aconteceu, a qual eu lhe sou eternamente grato. Ele nos apresentou.
O tempo passou e Clarim Spoiler teve crises de depressão fortíssimas, nas quais ele só podia comer chocolate e tocar violão. Lembro-me dele, de cuecas, em cima do telhado de sua casa, olhando pras estrelas e tocando uma canção muito triste. Era claro que ele apaixonara-se pelo inalcançável, pelo infinito, pelas estrelas. Depois dessa noite, foram dois anos até ele anunciar, sem maiores explicações - nenhuma era necessária - que passara no concurso para astronauta e que habilitara-se para habitar um satélite por meses e que pretendia manter-se lá por toda a vida.
Lá ele se manteve, de fato, fazendo-nos visitas anuais, quando, então, demonstrava sua enorme inteligência e nos apresentava o que escrevera nos seus meses de afastamento. Dessa forma que publicamos suas outras peças, as quais apresentavam uma progressiva aproximação de problemas mais cotidianos, o que, no início parecia extremamente contraditório com a sua condição.
Finalizo estas homenagens falando mais como seu amigo, arrisco dizer o maior amigo que ele tinha - pelo menos entre os terráqueos. Clarim Spoiler é forte candidato ao homem mais importante do século, por tudo o que produziu e pela mente incrível que possuía; pela história singular que levou e pelo enorme amor que sentia por toda a humanidade, ainda que afastado totalmente de seu cotidiano. Ele nos protegia lá do céu e com frequência senti que dirigia minhas preces mais a ele que aos anjos.
Clarim Spoiler não morreu - é uma estrela, como sempre foi e quis ser.
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