terça-feira, 13 de agosto de 2013

grandes esforços efêmeros

Estes textos foram escritos para integrar o programa da nossa peça Sobre Troias (realização do grupo TARJa e Teatro Terceiro Vetor, com patrocínio da Unirio e Ministério do Exército) que esteve em cartaz no Forte da Urca nesses últimos dois fins de semana. Por problemas nossos, não conseguimos publicar o programa, que trazia outros diversos textos escritos por atores, diretores e toda a gente envolvida no projeto. Como deu algum muito trabalho escrever esse material, virei algumas noite e coisa e tal, decidi postar, pra ter alguma (mínima) divulgação:


quando um mundo está pequeno
LONDRES - Morreram ontem nove milhões de combatentes, ingleses franceses alemães italianos húngaros austríacos turcos sérvios muitos nós. Todos eles perdidos em um enorme labirinto de túneis e fossas que rasgaram toda a europa.
As fotos falam mais que mil palavras. As trincheiras permanecem, enchem-se de pessoas, de soldados, de corpos, de água. As novas metralhadoras automáticas agilizam as nossas mortes, apressam a nossa guerra, dão ritmo ao monótono soar das criaturas lancinantes. A marcha dos Aliados sobrepuja os Impérios, um mundo e um ciclo se fecham e o século dezenove parece, finalmente, terminar. Aqui. As fotos falam mais que mil palavras.

final dos tempos?
BERLIM – Depois que somos exterminados alguma coisa acontece com a gente. Foram descobertos pelas tropas aliadas campos de extermínio de prisioneiros, a maioria judeus, poloneses, homossexuais e ciganos. Lançadas, mergulhando sobre o Japão, little boy e fat man incineraram 220 mil vítimas, a maioria civis. A partir desse dia, a guerra tornou-se um estado perene ao estar no mundo: estamos em guerra contínua, com maiores ou menores conflitos, armados com o que alcançamos com os dedos.

a morte de um deus
TOQUIO – Todos presenciamos os violentos bombardeios das vilas, a fome, a falta de recursos, a destruição de Hiroshima e de Nagasaki, a invasão da Manchúria e a tomada da Coreia pelos soviéticos e americanos – a pose de Stalin, Roosevelt e Churchill na foto em Ialta – assistimos o singrar da esquadra real nos nossos próprios mares, mas havia ainda algo por presenciar. Chorei ao escutar nesse 15 de agosto de 1945 a voz divina do nosso imperador pela primeira vez na vida. O sagrado vinha pelo rádio. O maior símbolo da nossa derrota eterna é quando morre a eternidade.

stop waring
WASHINGTON – Uma cortina de fumaça laranja encobre o horizonte e as matas densas, sentimos o corpo coçar como uma alergia e os pêlos arderem como num suspiro; nesse tempo, no tempo de um suspiro, o fogo nos consome os olhos as roupas os cabelos as unhas as vias e sentimos o perfume da nossa pele se evaporando, esfumaçando e descolando lentamente dos tecidos, como um pano velho, como uma geleca amorfa e fedida conforme percebemos que não estamos morrendo nem queimados nem alvejados nem asfixiados, conforme percebemos que nem mesmo estamos morrendo.

Graças no Deserto
SÃO PAULO - Hoje o presidente Bush foi visitar as tropas no Kuwait para o Dia de Ação de Graças. Foi o segundo dia seguido da operação chamada de “Tempestade no Deserto”, os jatos americanos fizeram chover fogo nos esconderijos subterrâneos dos iraquianos resultando em imagens incríveis.

a liberdade do medo
SARAJEVO – Em estados de sítio, de guerra, de calamidade pública, de catástrofe, nota-se o aumento significativo do medo da população, o seu confinamento deliberado em seus apartamentos. Nessas horas negras de instabilidade social, em que o Estado quase não existe, em que o genocídio é permitido, em que as etnias se dividem, surge aquela figura do pai, do irmão, do tio ou primo que ousa sair de casa, cruzar a rua e correr até um supermercado, até uma farmácia conseguir suprimentos com os ridículos centavos que restam das economias. No mínimo conseguir água. Esse trajeto é talvez o momento mais sublime da sua vida: consumido pelo medo, você avança, rápida e atentamente pelos atalhos conhecidos, você se depara com os corpos de outros como você e abaixa velozmente a cabeça – uma liberdade te invade, a liberdade do caos, a ternura da brutal luta pela sobrevivência, nada mais: o medo te liberta qual força primitiva que acende no fundo da medula e te guia de olhos abertos, ouvidos atentos e quase um sorriso no rosto, como um maluco por entre os destroços.

guerra ao terror
NOVA IORQUE – Quando treinamos por meses e viemos para cá, me imaginava, como os combatentes de outras guerras, entrincheirado, atirando contra o inimigo, invadindo instalações militares, perseguindo terroristas malignos, revoltados ignorantes que ousaram atacar meu país. Aqui, eu tenho que cuidar do trânsito em um cruzamento movimentado, uma senhora se aproxima, me abraça, me comovo, a abraço de volta, ela aperta um botão e nos explode e eu morro; devo checar os carros que passam pela estrada, faço sinal para ele parar, ele avança até nossa guarita e nos explode e nós morremos; temos que ocupar um bairro da capital, nós bombardeamos os prédios por três dias seguidos com mísseis tomahawk, eles se rendem, entramos pela manhã, todos correm, como kamikazes, como zumbis e nos explodem e nós morremos.

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