segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Estevão Esteve

O doutor o olhou de cima a baixo depois do check-up de 10 dias de exames físicos, sanguíneos, de desempenho, de urina, psicotécnico, de vista, de matemática, de acidez estomacal, de toque, de fezes, auditivo, odontológico, limpeza de pele, urológico, búzios, completo, tudo completo, tudo muito certo e metódico, tudo preciso, toxinas, vitaminas, benzinas, hormônios, libido, psicológico, e por cima dos óculos de meio-aro quadrados e grandes disse num tom ansioso e levemente sibilante, como que carregado de uma sensualidade mórbida: apesar de todo o procedimento posso concluir com absoluta certeza medicinal que o senhor está doente e a doença deve levá-lo a morte em pouco tempo; simplesmente não pude deduzir que doença(s) é/são essa(s). Como assim, ele perguntou meio intrigado depois daquela maratona gigantesca de exames não podiam identificar a doença? Não é nada que conhecemos (nós a medicina, eu digo), disse Dr. Benway quase sorrindo por trás dos seus óculos, a barba negra perfeitamente aparada como que tremendo, ciciando alguma coisa, você deve voltar pra casa e tentar viver como os outros; mas como assim, quanto tempo eu tenho de vida, disse ansioso pra caralho, porque não sabia o que seria certo dizer numa ocasião daquelas, em que você acaba de descobrir que está doente de morte e não há remédio possível; não é certo: dias, meses, talvez anos - quem poderá dizer? É uma doença nova, totalmente ausente da literatura medicinal, não dá pra prever os efeitos possíveis, nem receitar qualquer remédio - só sugiro que tente seguir a vida com a alegria de sempre: é impressionante como alguns doentes terminais ainda conseguem se relacionar seguramente com seus colegas, inserem-se na sociedade, no mercado de trabalho, com uma alegria realmente contagiante: é mesmo a sua própria consciência de brevidade que os anima a desfrutarem bastante cada um de seus dias restantes - e alguns ultrapassam bastante a previsão dada pelos médicos, muitas vezes... O doutor parecia estar excitado por debaixo das calças. Não há mais nada que você possa fazer por mim? Temo que não, respondeu comicamente o médico.

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