segunda-feira, 13 de abril de 2015

ontem sendo hoje

Acho um estojo de plástico para guardar cds e nele encontro os cds que eu copiava há muitos anos, como muitos faziam: Nirvana, Acabou Chorare, 4, do Los Hermanos, The Wall 1 e 2, Blind Guardian, Foxtrot, Dave Brubeck, Dorival, Gil etc. O estojo é de plástico com um gel colorido dentro que fica boiando, mas que agora secou, como sangue coagulado, e está muito nojento. Tem um furo pequeno por onde formam bolhas laranjas também. É muito nojento mesmo. Acho que esse estojo reflete um novo paradigma dos gostos musicais na minha geração. Desculpem. Acho que qualquer raciocínio que se sustenta numa tendência de uma geração, especialmente uma que se declara "a sua geração", um raciocínio bastante estúpido. Desculpem. Acho que é força de expressão, ou talvez porque as pessoas correntemente se expressam assim. Veio sem querer. Bom, meu ponto é que hoje em dia gostos musicais não se baseiam mais em estilos, gêneros ou bandas. É incomum alguém se colocar apenas como fã de rock ou samba. Acho que hoje em dia as pessoas se organizam por playlists - como você desenvolve seu apuro musical tem mais a ver com a ordem certa das músicas pra cada ambiente ou situação diferente que propriamente com a música ser boa ou ruim. Digamos, uma relativização. Ou uma análise bem pós-moderna dos gostos, que não se interessa tanto pela estrutura do objeto, mas mais por seu lugar. Sei lá. E também tem esses revivals incompreensíveis: agora tipo Kurt Cobain ou Cássia Eller ou um pouco ainda o Tim Maia. Eu também acho que sou assim, porque gosto desses três e de fato estou ouvindo um pouco mais dos três nesses últimos meses e agindo como se fosse fã deles desde sempre, o que sei que não é verdade.
Mas esse não é o ponto.
Estou gripado. Não propriamente gripado, quer dizer, não sei se é gripe, mas estou espirrando muito, e quando espirro arranha a garganta e estou também com muito catarro e nariz escorrendo. Daí eu faço um chumaço de papel higiênico e arrolho a narina que está pior pra não ter que ficar assoando a cada minuto, não só porque é chato, mas também porque já estou com as pontas das narinas vermelhas de tanto assoar, uma espécie de DST naso-faríngica.
Mas esse não é o ponto, tampouco.
Estou sozinho no meu quarto. Pertenço a uma classe média abastada, não propriamente rica, quer dizer, que não gosta de se dizer rica - ainda que provavelmente pertença ao 1% mais rico da população - porque reconhece seus próprios limites financeiros, e, sei lá, a maioria dos meus amigos é visivelmente mais rico que eu, e eu não viajo pra Miami e nem tenho tudo dessas coisas triviais que o consumismo nos faz desejar, tipo um computador foda, ou sei lá, roupas pra todos os lados, essas trivialidades, enfim, essa classe média alta que viaja uma vez por ano e gosta mais da europa que dos estados unidos e sonha fazer coisas que nunca faz. Em tempo. Moro com meus pais - ou seja, já não tão abastado, porque adoraria morar sozinho, quer dizer, não sozinho, mas sair da casa dos meus pais, mas falta grana minha pra isso. Mas também talvez eu não me esforce tanto, ou talvez eu prefira continuar trabalhando com o que eu amo, apesar de não me oferecer qualquer renda decente, do que trabalhar em algo indecente que me ofereça uma grana obscena. Piadas... De qualquer forma, aqui eu moro, com meus pais, meu irmão mais novo, minha avó senil que anda de sutiã pela casa e pensa que ainda mora no interior de São Paulo, e uma legião de empregadas domésticas com funções diferentes, mas que basicamente estão aqui pra salvar minha avó de si mesma, caso ela decida levantar as 3 da manhã e subir as escadas atrás da cachorra ou qualquer coisa do tipo, e pra fazer faxina, e pra cozinhar porque ninguém aguenta cozinhar pra tanta gente se não estiver sendo pago pra isso; ou seja, uma espécie de círculo vicioso de vínculo empregatício, ou talvez, uma microeconomia baseada no capital dos meus pais mais pensão da vovó (que tinha avô militar, esses machismos militarismos bizarros que a gente aceita quando vêm a nosso favor, claro, não tá fácil pra ninguém, nem pra classe média abastada insegura) onde um emprego só faz sentido por conta do outro: só existe uma cozinheira porque alguém precisa fazer comida pra arrumadeira, pras duas enfermeiras e pra minha avó (e, uma vez que já tem cozinheira, pro resto da família também, claro), e só existe arrumadeira, porque tanta gente assim numa mesma casa faz muita sujeira e bagunça, e assim por diante...
Ainda não é meu ponto, mas acho que estou chegando lá.
Minha janela está aberta, o vento balança minhas cortinas (novas), e a obra em frente está gemendo um pouco mais baixo porque deve ser horário de almoço. Os dias têm ficado mais suportáveis porque é outono - talvez daí a minha proto-gripe. Explico: vivo no Rio de Janeiro, mais precisamente, na zona sul, em Botafogo. Bairro de classe média abastada e insegura, não é uma Ipanema, ou Leblon ou Gávea, todos sabem, mas também não é Barra (num outro sentido), e nem Zona Norte. Também não é Tijuca, zona sul da zona norte. Enfim. Essas análises são todas muito preconceituosas, mas temos que partir as vezes de certos discursos genéricos para se fazer entender em certos pontos. Os bairros têm uma identidade - dizer que não seria cometer a generalizacão da relativizacão, ou uma espécie de morte por osmose, sei lá. Bom, também não sei onde queria chegar com esse ponto - apenas me lembrei que ontem mesmo uma amiga muito querida (acho que mesmo ela não sabe o quanto eu gosto dela) me dava carona pra casa, daí perdemos o retorno e tivemos que fazer uma volta maior, passando então por uma praça que eu, que moro onde moro há muitos anos, sempre associei exatamente a uma espécie de retorno-adiante, enquanto ela, que mora por ali, me disse nunca ter usado aquela praça como retorno, que foi muito esquisito pra ela e tal. Ficamos então pensando como os lugares ficam carregados com esses pequenos afetos e memórias (obviamente totalmente pessoais, únicas, específicas etc e tal) criando uma espécie de teia muito bonita de possibilidades de relação, estou tentando evitar falar em conceitos nesses últimos tempos, me sentindo meio acadêmico demais, faz as pessoas olharem meio inseguras pra mim, sei lá, mas fiquei pensando nesses lugares como os rizomas e territórios de Deleuze, mas não só pensando, mas meio que sentindo isso muito fundo, como se de alguma maneira pudesse ali, então, enxergar essa beleza de possibilidades e potências em uma única praça-retorno, meio sem-graça até, eu chamava criança de "praça-dos-pombos" (um absurdo cartográfico, claro, por falta completa de especificidade).
O que acaba me trazendo de volta aos cds no estojo nojento de plástico, porque talvez o que me interessa não é exatamente parecer que sempre fui fã de Nirvana ou nem mesmo criticar aqueles que querem terem sempre sido fã de Nirvana, mas uma sensação viva de como esses significados podem sempre se relacionar no espaço e no tempo, de como essas noções - de espaço e tempo - precisam ser mais e mais entendidas para que com justiça possamos nos declarar sujeitos de ação, capazes de transformações (políticas mesmo, mas não só, também psicológicas, eu acho, posso estar falando besteira), uma coisa meio holística dos territórios. E por isso, apesar de ser incapaz de organizar melhor esse fluxo de pensamento (e percebendo que ele é deficiente, inconclusivo, incompleto, pouco claro, talvez bastante desinteressante até - sobre isso vocês vão ter que ser simpáticos comigo e tentar ao máximo ultrapassar esses obstáculos de linguagem) é que sinceramente sofro com as atuais políticas ditas progressistas de refabricacão da cidade e de seus potenciais simbólicos, como se alguém visse aquela rede e, sei lá, não só risse da nossa cara, dizendo que ela é uma rede muito pobre e feia, mas então, sei lá, mijasse em cima, escarrasse e depois dissesse que é pro nosso bem. Não sei... ainda não achei meu ponto, mas se for pra manter a imagem da teia vou ter que parar de procurar meu ponto e passar a lidar melhor com esses fluxos pontuais interrompidos.

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