terça-feira, 28 de abril de 2015

aquele ele

O que fazer?
ele se pergunta enquanto soca ambos os joelhos cada um com uma mão simultaneamente e com muita força mesmo, tão forte que marca-lhe primeiro vermelho depois roxo igualmente em ambos os joelhos.
Ele está chorando muito, convulsivo, bem feio, afinal são poucos os que permanecem bonitos quando choram - e ele, que mesmo sem chorar não é uma beleza, ou, pelo menos, não é alguém que o senso comum destacaria por beleza, quando chora então fica com uma cara feia, toda contraída. E chora aqueles choros silenciosos, terríveis, pontuados por fungadas de nariz, mas sem nenhum gemido, as vezes um guinchar muito agudo e muito baixo e curto e seguido por uma fungadinha. E lágrimas também, claro.
Ele não está preparado praquilo, praquela solidão terrível, praquele não saber o que fazer, praquela casa de sempre, e aquela cara de sempre, praquele medo dos outros, praquela falta de carinho dos outros - que ele entendia não ser algo gratuito, o carinho, veja bem, ele não é ingênuo e não acredita que nascer significa portanto ser feliz, aliás, longe disso, bem longe disso, quase o contrário, e que, na verdade, o estado em que ele se encontra agora era para ele o estado normal de se encontrar, uma vez que vivo (aquela sabedoria de Sileno e tal), mas ainda assim, o desejo de receber carinho de outrem sobrevinha, e um subsequente medo de ser ridicularizado quando ensaiasse pedir esse carinho, fosse como fosse, lhe parece absurdo esse carinho - exatamente pela sua exemplar visão de mundo onde o normal é chorar nos cantos sem incomodar ninguém.
Também o medo da imagem de chorão o consume, e aumenta a sua solidão. Antes, quando não sabia o que fazer e chorava dessa forma, ele costumava procurar seus amigos, para consolo e carinho, mas agora, lhe parece que, primeiro, seus amigos estão fatigados desse tipo de consolo e carinho, segundo, que, sendo criterioso, não é esse o tipo de carinho que ele está exatamente interessado, uma comiseração por seu estado miserável, não, ele busca um carinho desregrado e dado sem ser pedido, um carinho que o senso comum destacaria como genuíno amor, fosse de amigos, mas mais especialmente de alguém que pudesse chamar namorada (ele é heterossexual) ou algum desses novos nomes dados a pessoas que se envolvem sexualmente e se oferecem carinhos desregrados mas não necessariamente vinculados por aquilo que o senso comum chamaria "fidelidade", muito embora as pessoas assim envolvidas provavelmente discordem - e provavelmente, com razão - do uso deste termo, uma vez que ambas sabem no que estão se envolvendo, não estão sendo "infiéis" quando se relacionam com terceiros, enfim, e terceiro, que chamar um amigo e encontrá-lo para chorar e perguntar o que fazer soa agora pra ele como uma espécie de imagem de sofredor muito tosca, como algo que parece ser falso, como uma projeção péssima do seu genuíno sofrimento que vai, mais uma vez, requerer a comiseração comprada do seu amigo, algo que o senso comum chama as vezes de "chantagem emocional", que pode, se bem executada, resultar, como dito, em alguma forma talvez de carinho, mas não o carinho almejado por ele.
O ponto-chave é, portanto, como receber carinho sem pedir carinho.

Ele não sabe o que fazer.
vou ao banheiro fazer cocô, pensa.

Ele decide olhar sua caixa de entrada do email enquanto defeca. Ainda chora um pouco. Ainda funga um pouco. Defeca pouco também. Lê um email de um dos seus aplicativos de espaço virtual na nuvem dizendo com frases alegres naquele vocabulário típico de economia criativa de internet que ele acabara de ganhar 500 gigas a mais de espaço na sua conta! e essa notícia o alegra parcialmente, ele para de chorar, termina de fazer cocô, se limpa, e pensa, talvez agora eu possa fazer um bom backup dos meus vídeos, eu estava mesmo precisando de um espaço extra.

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