segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema,
A terra é sempre tua negra algema,
Prende-te nele a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, de pouco a pouco,

Na natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Cruz e Souza

domingo, 29 de novembro de 2009

Embriaguez

Foi o Teatro que me tornou bebum.
Foi por causa Dele que eu aprendi a beber,
Ele me aliciou nessa manguaça.

Só mais um gorozinho!
Só mais um!

Agora estou caindo no chão,
Fazendo feio,
Tropeçando nas cordas bambas
Do nosso Circo pobre.

Viveria me equilibrando para não deixar
O mundo cair.
Caiu. Beber, cair e levantar!

Não posso mais sair do Teatro;
Da bebedeira também não.

domingo, 22 de novembro de 2009

Menta e tabaco

Menta e tabaco.
Pelo primeiro, me orgulho;
pelo segundo, me mato.
Menta e tabaco.

Menta e tabaco.
Está escuro como um breu,
parece que caí em um buraco.
Menta e tabaco.

Mentabaco.
Que beijo é esse que me mordeu?
Morreu o sonho e ficou o fato.
Mentabaco.

Mentabaco:
fusão do quente, com o frio meu:
a sua essência no meu palato.
Mentabaco.

Menta-baco.
Perdi meu norte, que aconteceu?
Perdi minha roupa, sou puro tato:
Menta-baco.

Menta-baco.
Meu corpo forte, ali morreu,
meu devaneio, ficou no espaço.
Menta e tabaco.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Dores

Que há comigo?
Com essas roupas, com esses trapos
Sujos velhos, escrotos.

Contorcer-ser dói
Me aperto, estou preso! Amarrado, amordaçado
Que há comigo?

Essacordachegaadoer
Chegarasgar
Espremetudoquesinto
Assimtudorrasga

Gritosespremidosnascavernassemeco
Floresmortasporessesgritos
Meusseustodosnossas
dores

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Meu último soneto

Não sei, muitas vezes pra onde olhar,
me perco nos detalhes mais sutis
das mais sutis indiferenças
que tem cheirinho de saudade

Recorre, a mim, a suprema nostalgia
da noite, das crianças, de tudo
Só quero desenhar mais uma vez,
com o giz de cera da cor preferida

Queria correr no pátio da escola
e brincar de verdade e consequência;
queria pular do teto e cair no chão

Porque criança tem sete vidas e não morre
Deveria não morrer, pelo menos
Ai, o que eu daria pra não ter mais estes dedos

domingo, 15 de novembro de 2009

Esperando

O que tanto se espera?
A espera de milênios
Que adormecia
Uma princesa em um castelo.

A pressa é inimiga da perfeição
A espera é inimiga da vida
Dessa vida imperfeita
Nos moldes do céu e do chão

Enchi o meu copo, fui beber,
Mas tava vazio.
Tentei outra vez, bebi,
Mais rápido. Mas não deu.

Então, na seca, suando,
Sem saber se sorria
Ou se permanecia na espera
Perenei, sedento.

E nesse jejum insípido
Observando e esperando
Sentimos, eu e a espera,
Um vazio maior que a torcida do flamengo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Chuva Moderna

Tô com uma pulga atrás da orelha
Tô com o rei na barriga
Tô com uma pedra no sapato
Tô com uma carta na manga

Minuto à minuto, me vejo cego
E, sem ver, assisto à tudo
Espero, e a cegueira me mete um medo
Dos infernos profundos.

E, nesse cenário dantesco,
Às vezes rio, às vezes rezo,
A ver o mundo como um cego
A viver no inferno sem contexto.

Então, das profundezas do mundo
Vem um vômito que não vejo
Da cor da cegueira
E cai, no meu colo, um filósofo mudo.

É o rei da minha barriga
Filho meu da boemia
Um pobre filósofo que, mudo,
Não cantava, nem ria.

Agora, nas minhas pernas,
Sinto-lhe a bíle na timidez muda
Um gaucherismo drummondiano
Que tudo afasta e tudo quebra.

Junta-se à pulga, à carta, à pedra
Levanta-se e vai embora.
Tô melhor, mais à vontade,
Vou pra casa beber Coca-cola.

domingo, 8 de novembro de 2009

Lua

Que ótimo dia de chuva
Pra caminhar na Lagoa,
Sobre suas águas nuas,
Na turva da curva sua.

Tarde insípida e crua,
Tarde nublada de nostalgia
E na Lagoa, as águas frias
Balançam, lambendo a rua.

E quando o céu é noite escura
Desfazem nuvens e brilham as estrelas
E os planetas e a Lua,
Que flutua e bóia e foge e fura.

A Lagoa sobre a Lua
Na noite, a carne sua
Vira água nua e fria
Que lambia a curva da rua.