segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A difícil tentativa de dar uma opinião polêmica

Escorrendo sobre as margens de lodo da lagoa, o restaurante chique estilo modernoso-rústico meio pra gringo e pra moradores muito ricos - aquele tipo de morador rico que, ou gosta de passar por gringo, ou assume um estilo de em-viagem, um certo padrão visual internacionalmente tido como elegante, quer dizer, algo que, assume-se, qualquer pessoa, pelo menos qualquer ocidental, vai achar agradável, modernoso, rústico, elegante etc. Na mesa mais afastada do bar, com pouca iluminação, digamos algo que poderiam chamar de romântico-modernoso-rústico, dois homens desse padrão, não sabemos se gringos ou se passando por gringo ou isso tudo aí, conversam entre doses de drinques que não sabemos o nome - são drinques delicados, refrescantes sempre, com cores não tão vivas e hortelã, em taças miúdas, bem miúdas, com tanto gelo que deve ter pouco a se beber efetivamente. Mas não sabemos - não frequentamos muito esse tipo de restaurante.
Um dos homens veste camisa social preta com um botão aberto por cima de um blaser verde musgo bem escuro de veludo revestido internamente por um tecido listrado verde clarinho e branco muito delicado, não sabemos dizer qual tecido, pensamos em seda, mas depois pensamos que talvez seda seja um pouco demais, nem mesmo sabemos se se fabricam blasers assim, veludo com seda, um pouco surreal, mas talvez não, não sabemos mesmo, é um blaser bem elegante e de corte impecável, o que nos faz pensar que é feito sob medida (mas não sabemos). Esse homem é careca assumido - raspa o pouco de cabelo que por ventura ainda cresça - e usa óculos quadrados de aros de plástico vermelho. Não vemos suas pernas, mas sua posição sugere que estejam cruzadas em pose elegante, enquanto casualmente beberica de leve seu drinque azul.
O outro homem veste camisa social azul com mangas dobradas até a altura dos cotovelos, dois botões abertos no peito, ainda possível ver os vincos da dobradura da camisa nas laterais dos braços e no ombro e duas linhas ao longo do peito em paralelas que coincidem com as longitudes de seus mamilos (invisíveis claro, estamos assumindo aqui uma aproximação, uma possibilidade bastante provável que, pra efeitos de humor, queremos levar à cabo - supor precisa simetria entre dobradura de camisa e mamilos nos soa divertido). Seu blaser, menos elegante, mais ordinário (íamos dizer "mais dia-a-dia" com a acepção de que parece ser uma peça de trabalho do segundo homem, mas depois "mais dia-a-dia" nos pareceu impreciso - vamos prosseguir e refletir sobre a possibilidade de "mais dia-a-dia"), e apóia sua bolsa-maleta ao seu lado - tudo sugerindo que este homem veio para o restaurante imediatamente após o trabalho diário. Tem cabelos cheios e despenteados, olhos grandes, mãos grandes, pele notadamente mais branca que a de seu colega, e também jeitos menos sofisticados, menos elegantes, o que nos parece indicar que a sugestão desse restaurante veio do primeiro homem, do mais elegante, de fato, "faz mais a cara" daquele (expressão aqui empregada não apenas pra indicar essa semelhança de gosto, mas também num gesto irônico de que o primeiro homem quase se camufla como peça de decoração: suas roupas combinam-se perfeitamente com as almofadas dos bancos, tanto em textura quanto em tonalidade).
Não comem. Bebericam drinques. Conversam.

É difícil de engolir.... difícil mesmo. Eu não sei o que te dizer agora, mas também não vou dizer que concordo. Apenas... entendo.
É porque estou certo - por isso você não tem resposta.
Me soa terrivelmente misógino, acho...
Não, justamente o contrário - todo esse mundo de ideologias, de sistemas, de, se me permite colocar nesses termos, uma vontade de razão, tudo isso, é fruto dessa forma-pensamento que utilizamos, é fruto da nossa sociedade macho branco heterossexual ocidental capitalista, entende?
Mas é um sofisma grosseiro incluir o feminismo nessa conta, ou seja, o que surge como oposição à esse sistema...
Claro que é possível incluí-lo: o feminismo atua de forma a incluir certas práticas dentro dessa sociedade, atua pela inclusão, seja de direitos, ou de leis.
Ou seja, de maneira a transformar essa sociedade pra melhor, pra curá-la de pelo menos um de seus preconceitos...
Talvez, mas foi você mesmo que colocou a questão - de como mesmo em ambientes, digamos, 100% feministas, totalmente pró a inclusão das mulheres nos mercados de trabalho, nos ambientes que lhes foram cerceados por tantos séculos, mesmo ali, resta uma impressão de que elas não executam tão bem quanto um homem...
Não foi isso que eu disse.
Foi o que você falou, você falou do seu departamento, das mulheres no seu departamento...
Falei justamente pra enfatizar o quanto ainda temos que avançar, que mesmo num ambiente aparentemente aberto a mulheres, ainda restam...
Não, não, não estou questionando isso - isso é claro: a nossa inclusão parcial está bem longe de ser ideal, mas você mencionou - pelo menos assim entendi - que você não achava que as mulheres do seu departamento eram tão brilhantes, que você tinha a impressão de que elas estavam no lugar errado, porque aquilo seria de certo modo uma função de um homem - você mesmo comparou: seria como se criassem uma cota para mulheres em um campeonato de esporrada à distância...
Fala baixo. Você está eufórico. Calma.
Perdão... bom, você colocou dessa maneira.
Sim, eu disse - disse que certas funções não foram pensadas pra serem executadas por mulheres, são espaços totalmente masculinos, mas isso não quer dizer imediatamente que sejam machistas. - ao contrário, digamos que existe mesmo uma espécie de homoafetividade intensa nesses espaços. Nas Forças Armadas, por exemplo.
Sim! Exatamente. O meu ponto, se me permite uma metáfora, é que é como se nós estivéssemos jogando esse enorme jogo, cujas regras foram escritas por homens, e que era exclusivo aos homens - brancos heterossexuais ocidentais etc - jogá-lo. E agora, vemos todas essas minorias reclamando seu direito de jogá-lo. Justo, claro - mas elas se esquecem de que as regras foram feitas por homens para homens, eles serão sempre os melhores jogadores, esse é o jogo deles, eles vão ganhar sempre...
Mas eles querem mudar as regras também! Para que elas os contemplem também! Estão subindo ao Congresso, estão aprovando novas leis, estão mudando o jogo por dentro...
Não, você não está acompanhando. A própria ideia do Congresso etc, de como o Estado atua, de qual seu papel na sociedade, enquanto sujeito, entende?
Não, acho que você está propondo uma espécie de revolução, mas sendo extremamente preconceituoso com todas essas minorias que você diz estar levando em consideração. Não existe política nisso que você diz, apenas palavras fortes. Apenas ser do contra.

Os dois homens tornam a beber seus drinques elegantes sentindo a brisa leve e agradável de onde estão. Os drinques estão balanceadamente refrescantes, os gelos titilam alegremente (íamos dizer "como sinos de natal", mas depois nos pareceu uma expressão por demais jocosa, como se estivéssemos emitindo algum tipo de julgamento moral desse tipo de bebida e, por extensão, dos dois homens - não estamos), mas eles não chegaram a um entendimento.
Pedem a conta com um sinal e um gesto de mão-que-escreve-no-ar. Foi caro.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Entrada

Nossa, eu conseguia sentir forte seu cheiro, como se você fosse a própria brisa do mar. Essas situações pedem depoimentos dramáticos, né? Realmente tem essas coisas que você só compreende essencialmente quando elas acontecem contigo - talvez a maioria das coisas - um conhecimento "corporal", "visceral", como costumam dizer, né? Como eu posso te explicar?
Começa pelo começo... (riso cheio de dentes brancos)
Poxa... bom, eu não queria usar a palavra "se apaixonar" porque ela é muito forte e muito usada vulgarmente como uma situação muito explosiva, romântica, né? Tem a ver com o que eu quero dizer... Bom, se você me permite uma digressão etimológica, acho que páthos é a parada que estou tentando achar, que é o radical de "apaixonar-se", né? É dessa "paixão" que eu queria falar, mas não queria que esbarrasse em "apaixonado", "apaixonada", pelo menos não por enquanto, me incomoda um pouco isso agora.
Tudo bem... vamos deixar de lado. (sorriso simpático)
Tá (sorriso sem jeito). É simples, é só que a gente praticamente não se conhece, nos conhecemos super randomicamente, bem aleatório, e eu estou curtindo pra caralho esse papo que estamos tendo, acho impressionante que tenhamos chegado tão fundo logo num primeiro encontro, né?
(sorriso com dentes, olhos fixos nos olhos)
Então, e comecei a sentir essa "paixão" difícil de descrever, uma coisa realmente corporal, vou até dizer fisiológica, entende?
(pausa) Tipo uma dor de barriga? (risos)
(risos) Não sei, talvez! (risos)
(risos)
(risos - pausa, olhar perdido, pensamento por trás dos olhos) Bom, não sei o que é, mas percebi que estava diretamente relacionado contigo, entende? Notei que é esse nosso papo tão fluido, né? tão fácil, tão difícil de se ter normalmente com uma pessoa estranha, e que isso me fazia muito bem e tive essa "compreensão corporal", tipo, meio que soube dentro de mim essa coisa que estou tentando te explicar, mas o mais importante é que é uma certeza, uma descoberta, feita pelo corpo.
(olhar interessado, talvez felino, talvez jeito sensual, talvez um botão da camisa se abriu sozinho, talvez dois)
(sorriso pálido de canto de boca, olhar apreensivo, talvez volátil, talvez tropeçando eventualmente em peito recém descoberto, ligeiro gaguejar, tentativa de disfarçar) E o mais estranho é justamente o que eu estava te dizendo que não gosto muito da ideia de "se apaixonar", acho uma coisa criada, "amor romântico", entende? Acho que projetam esse tipo de coisa na vida, mas a vida não é assim, né? E a coisa é levada a um nível absurdo, de "amor à primeira vista", entende?
Eu já me apaixonei a primeira vista. Eu não esperava muito que rolasse, mas rolou, e foi incrível, uma sensação de proximidade difícil de descrever...
Tipo coisa de filme, assim?
Tipo mais que isso. Tipo, em filme é apenas o momento de se conhecer, eles sempre terminam o filme quando o casal meio que se firmou e pronto - "felizes para sempre", ou alguma coisa parecida com isso que tem esse efeito. Mas isso o que eu estou falando é do próprio relacionamento explosivo que a gente teve. Foi curto e intenso. Foi muito importante pra mim. (rearruma-se, talvez note botões demais abertos, talvez feche apenas um)
É, acho que você entende, então, o que eu estou tentando descrever. Essa sensação corporal, esse páthos intenso de um encontro significativo com alguém, ou que te confere significado de algum modo, quer dizer, não significa nada, mas não é esse o ponto, o ponto é o encontro intenso, a conexão, né?
Sim... (sorriso)
Pois foi isso que eu senti, que estou sentindo ainda... e começo a desconfiar que talvez seja apaixonar-se, talvez seja amor a primeira vista, talvez seja isso tudo que eu sempre recusei, combati até... (proximidade, momento crítico, inclina-se para beijo)
(não se inclina, mantém olhar, não se reclina tampouco)
(apreensão, certa dúvida, agora não tem mais volta, inclina-se para beijo pra valer)
(aceita todo novo toque, recusa beijo olhando pro lado quando lábios quase colam)
(pensamentos por trás dos olhos, inclinar-se se torna abraço, respira fundo)
(recebe abraço, pausa, desfaz abraço, sorriso miúdo sem dentes, talvez mais dois botões se abriram, talvez note e feche apenas um)
(talvez note peito redescoberto, talvez certo grau de desejo sexual primário)
(pausa) Olha, é que eu não senti tudo isso que você falou...
Não, claro, não era esse meu ponto também... Aliás, acho que foi bastante exagerado o que eu falei.
Sobre a gente estar se dando tão bem num primeiro encontro?
Não, sobre apaixonar-se, entende? Tipo, não acredito muito nisso, é o que eu estava te dizendo, é uma coisa inventada, vendida, muito naturalizada, mas tem data de nascimento, poetas do século XIII ou XII, não sei bem... (olhar pro chão, ou pra longe, ou pra qualquer lugar exceto o outro olhar)
Sim, na Ocitânia.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

O Rio quer se tornar Ibiza

Tenho que admitir que tenho estado muito muito interessado em te matar, assim, é uma ideia que tem me passado muito pela cabeça, sabe? Sem drama, não quero que isso pareça querer dizer nada, e sem nenhum rancor também. É só que está cada vez mais frequente eu me pegar longas horas imaginando isso, idealizando formas, maneiras, um certo cenário, as vezes lentamente, outras um tiro na cabeça e fim, as vezes com tortura e tal. Sabe? Não, não, não tem por quê, você está sendo limitado, meio careta até, se me permite dizer, pensar numa causalidade; não é pra ser motivado, nem pra ser pensado como reação a nada, simplesmente é, sabe, "ser enquanto ser" ou algo desse tipo. Não sabe? Achei que você já tivesse lido Heidegger, não? Eu mesmo nunca li li, só assim, de passagem, alguns trechos de Ser e Tempo numa aula de mestrado que eu fiz uma vez na Filosofia. Foi ótimo. Você nunca escutou essa expressão "ser enquanto ser"? - nem sei exatamente se é essa expressão, pra ser honesto, mas... viu? Você nem conhece a expressão, sabe, esse é o tipo de coisa que as vezes eu penso em te dizer quando me imagino te prendendo numa cadeira e cortando a sua orelha, tipo Cães de Aluguel, mas conseguindo te queimar vivo sem que me matem antes, eu estaria bem atento a isso no momento, claro, seria bizarríssimo que eu tentasse emular uma cena de um filme, nessa onda a-realidade-que-tenta-representar-a-imagem-e-não-o-contrário, e realmente surgisse inesperadamente alguém e me matasse antes de te queimar exatamente que nem no filme. Bom, de qualquer forma, você ainda estaria sem orelha - e eventualmente seria morto mais tarde, né? - o que me reconforta um pouco, devo dizer... Você já viu Cães de Aluguel, eu presumo... Como não, cara? Caralho, você é muito alien - quer dizer, eu me sinto muito alien a maior parte do tempo, mas isso pra mim é bizarro, Cães de Aluguel é super batido, todo playboy assiste e diz que é o melhor filme do mundo, ou sei lá, Bastardos Inglórios... Sim, o que o Hitler morre no cinema. Pelo menos esse você viu. Gostou? Não? Porra, eu acho foda. Bem irado, pra ser honesto. Mas, bom, o que estava dizendo é que eu tenho cada vez mais imaginado essa situação de homicídio cruel, sempre bastante cruel, com níveis de perversidade radioativos, saca, e passo horas pensando nesses detalhes obscenos, e como evitar que você se desvencilhe da tortura ou que eu seja eventualmente pego ou morto, como nessa cena do Cães de Aluguel que você não viu, mas de um modo geral eu sempre acabo achando que eu vou ser pego, que vai ficar na cara que fui eu, sabe? Tipo, na real, parece que o que realmente me impede de executar, de te matar ridiculamente, de te empalar ou, sei lá, qualquer coisa muito muito cruel, é só mesmo o medo da represália depois. Que nenhuma educação de nenhuma ordem me tirou essa vontade estúpida de te torturar sem qualquer causa aparente. Você acha que tem causa? De novo acho que você está sendo meio careta... Eu sei, ok, uma possível "causa" inconsciente, mas, tipo, eu revisitaria essa sua pseudo-psicanálise ou sei lá de onde você tira essas noções, porque eu não acho que toda aparente loucura ou esquizofrenia seja automaticamente recalque ou algum "complexo" de castração ou apenas uma "pulsão de morte" ou "patrocínio" - epa, quer dizer... como é mesmo?, assassinato do pai é...? Me escapou... Ah, você entendeu, aquela história toda de assassinato primordial e tal. Acho que pode até ser, e talvez o seja na maior parte dos casos hoje em dia, mas sempre também é mais que isso, e não acho que exista um tal estado saudável de sanidade que o Freud parece estar sempre propondo e tal... Ah, sim, eu concordo. É verdade. Sim, sim, acho que sim. É, por exemplo, quando eu era criança eu lia muito e detestava os livros da Lygia Bojunga, sabe? Daí adolescente eu tive uma releitura dela e achei maneiro essa pegada meio "temas adultos nos livros infantis", sabe? Achei maneiro bater de frente com essa moralização idiota do que deve ser produto para crianças, sempre um politicamente correto bastante idiota. Mas hoje em dia, eu detesto a Lygia Bojunga, não muito por qualquer atributo da sua obra, mas porque ela é uma dessas mantenedoras de "direitos autorais" e, sei lá, fez uma editora própria só pra não ter que "ceder os seus (ditos) direitos" e não deixa ninguém adaptar os livros dela pro teatro ou coisas assim, cheia de mimimi. Cara, eu detesto essa idiotice de direitos autorais, é uma cascata deslavada, pretensamente para "proteger os artistas" (o que quer que isso queira dizer), pretensamente um "direito", essas merdas todas - direito de imagem, direito autoral - é tudo inventado pra mercantilização da arte, apenas pra isso - e quando inventaram isso, isso que eu estou dizendo era a própria argumentação da parada, pros artistas fazerem dinheiro etc. sei lá. Mas hoje em dia as pessoas falam como se fosse um direito natural do ser humano, tipo, apelam pra Declaração Universal dos Direitos Humanos ou coisas nesse nível, sabe? É muita burrice. Mas do que a gente tava falando mesmo? Ah é, a importância da infância... é verdade, eu concordo com isso. Não sei dizer exatamente como, mas acho que sim. E traumas e tal. Concordo a vera... Mais uma? Caralho, aqui é caro pra cacete. Tá, pede mais uma, vou no banheiro.
Cara, desculpa voltar a isso, mas acho que a gente tem intimidade pra essas coisas. Cara, de novo, eu tava no banheiro, e cheio de merda e mijo pra todo lado - eu sempre abro a porta com o pé e tento dar descarga com o pé também, pra não encostar nessas superfícies super contaminadas - e eu pensei em te afogar no vaso ou alguma coisa bem escatológica assim; mas daí me lembrei que tem aquela viatura da polícia ali na frente daquela boate, então eu provavelmente seria pego e foi isso que meio que abortou a minha imaginação... Tá, a gente pode mudar de assunto, ok. Sim, sim, eu meio que ouvi falar. De relance. Uma parada meio homofóbica, não é? Ah, mas, cara, eu tenho duvidado muito dessas coisas que neguinho faz circular por aí, tipo bar homofóbico e tal, e daí você vai saber melhor o que rolou e descobre que os caras importunaram pra caralho por horas a fio e vieram na moral pedir pra baixar o tom, daí rolou baixaria e porradaria, e daí é imediatamente "homofobia", tipo de argumentação fácil e pobre; ou chama qualquer tipo de ato contrário de "fascista", mais pela força da palavra, pra acabar de vez com o cara, porque ninguém vai querer se posicionar como fascista ou como homofóbico, claro - a não ser, lógico, fascistas e homofóbicos "assumidos", tipo um Bolsonaro, mas estou pensando numa galera menos abertamente fascista e que com certeza não se diz fascista - você meio que corta qualquer discussão sobre qualquer coisa deixando implícito que ser contra aquilo ou interferir ou abafar aquilo é ser automaticamente o oposto, ou seja, fascista, homofóbico, machista etc. sabe? Justamente. Justamente, e neguinho acaba entrando numa lógica de espetacularização da política, sem perceber que, essa sim, é uma estratégia, um modus operandi do fascismo, derreter a estética em política necessariamente, e não o contrário... Dilma. Nulo? Respeito, pensei muito no nulo, mas li uns artigos que o Chico Alencar postou na página dele tipo na semana antes do segundo turno e mudei de ideia. Mas não queria muito me alongar nisso... Vai lá, vai lá.
Não tá? Pois é, é grotesco, mas eu confesso que diversas vezes mijo randomicamente pra frente pela diversão de emporcalhar a parada, sabe? Movimentos brownianos de pau!

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Esperando um trem que vai te levar pra sempre

fica quieto um minuto.
cala a boca, na moral.

Esculpindo cada post
Modelando cada bosta
Cada merda, o negativo do intestino

Fica aqui comigo, querido
Olhando minhas costas
Ligando minhas pintas

só um segundo.
para de falar, porra.

Fica aqui comigo, querido
Chupando meu cuspe
Beijando minhas cartas
Olhando minhas costas
Ligando minhas pintas

Fica aqui comigo, querido
Como quem espera o trem pelado na estação
E vamos dançar com a nossa sombra
Até ela cansar

Fica aqui comigo, por favor
Ligando minhas pintas
Constelações das costelas e das costas
Encostando nesta vasta sensação
Como quem espera o trem pelado na estação
E vamos dançar com a nossa sombra
Até ela cansar
Ou até ficar tão nublado
Que ela vai sumir

terça-feira, 19 de maio de 2015

Aquilo que chamam estar numa corda bamba

ELE está com uma preguiça enorme de continuar, sabe? Quando você tem uma responsabilidade imensa e inadiável, que deve urgentemente ser resolvida e depende exclusivamente de você para tal, mas ainda assim insiste em demorar-se em atividades laterais, tergiversar, gastar tempo noutros cantos como que inventando uma importância pra essas atividades laterais, como que tentando mesmo se enganar, meio que dizendo na sua mente que aquilo que parece lateral pode ter alguma importância também, ou, talvez outros discursos mais auto-apologéticos, como algo eu-não-deveria-ser-obrigado-a-fazer-o-que-eu-não-quero, meio que transferindo a responsabilidade pra um certo sistema (quando não transferindo diretamente pra uma outra pessoa; mas você não chega a esse ponto, não, isso seria por demais evidente pra você, transferir pra uma outra pessoa algo que clara e obviamente é sua responsabilidade e você sabe bem disso; mas talvez assumir que você está sendo "levado" por uma lógica de trabalho e eficiência e produção e pró-atividade que te foi introduzida com força por um sistema X que você despreza e não quer fazer parte e deve se esforçar para estar sempre consciente de quando está sendo ludibriado a fazer o que não quer fazer por esse sistema, isso sim você pode aceitar como algo a ser evitado e, portanto, justificar a sua recusa - que poderia facilmente passar por preguiça - em trabalhar no que merece a sua responsabilidade; a própria ideia de preguiça pertencendo a esse sistema de produção de produção que você quer sempre se esforçar pra não colaborar, não ser uma peça a mais nessa engrenagem, nessa máquina que é impossível ver o tamanho, e de onde vem e para onde vai, e que alimenta suas peças e engrenagens com falsas verdades, pequenos desejos a serem satisfeitos, ilusões passageiras etc, por exemplo a ideia de que trabalho é algo nobre, ou que todos devem trabalhar, ou, mais sutilmente, que existe alguma coisa como preguiça, ou seja, em último grau, um pecado de não trabalhar, e, mesmo que não levado ao último grau, ao nível de pecado, um gesto repreensível de não estar ajudando, ou não cumprindo sua responsabilidade, como ELE, agora), e estranhamente consciente desse gesto, desse gesto de transferir para alguma outra instância, seja o sistema, ou outra pessoa, ou falsas idéias de eficiência e pró-atividade, e alongando ad infinitum esses argumentos abstratos que possivelmente justificariam a sua preguiça, sua enorme preguiça em continuar com sua responsabilidade (argumentos que até aniquilam a ideia de preguiça talvez) e ciente de que esse gesto, e o próprio refletir sobre o gesto e sobre a consciência do gesto é também uma forma, uma meta-forma, de adiar sua responsabilidade, de empurrar com a barriga, procrastinar, e, em última instância, derrotar-se pela preguiça e pelo imobilismo de argumentações abstratas na sua cabeça; sendo que curiosamente nem mesmo lhe é uma responsabilidade imposta, não é um trabalho para outros, não se trata de um emprego, de um ofício, de um serviço para qualquer pessoa, é um trabalho seu e de seu único e exclusivo interesse, só quem sai perdendo é você, tanto faz pro resto do mundo você seguir adiante e vencer a preguiça e continuar, ou manter-se em atividades laterais menos importantes, a exigência de cumprir essa responsabilidade é auto-infligida, e, mais uma vez, você pensa no sistema de trabalho pró-ativo e funcionalidade e vitalidade que imprime nas pessoas essa ideia de que tem que ser eficientes e evitar desperdício de tempo, a própria ideia de que se pode desperdiçar tempo, perder tempo e tal, a contagem de tempo estabelecida; mas que, mesmo assim, talvez você também não esteja indo longe, que também essa sua forma de encarar o sistema e de criticá-lo é bem clichê, a própria máquina já reserva espaços e funções pra pessoas que pensam assim, um outro tipo de peça, um outro lubrificante: uma outra verdade totalizante e capaz de toá-lo em uma produção qualquer, que, de um modo geral, pode ser capitalizada, apropriada, simplificada à simplicidade de quem pode desejar aquilo (mais simples para os mais simples, menos simples para os menos simples não tão simples quanto os simples para que possam acusar de simplificada a apropriação simples etc.) e é extremamente presunçoso se colocar como alguém que poderia destroçar esse sistema simplesmente deixando de lado uma responsabilidade auto-imposta e procrastinar, até porque isso é possivelmente o que a maior parte das pessoas no globo faz; sendo crítico, parece mais radical ser uma pessoa responsável com seus projetos, crítico consigo mesmo e suas procrastinações, consciente desse lugar fácil de crítica ao sistema, dessa saída preguiçosa de que qualquer coisa que te faz sofrer ou te coloca em dúvida, ou que você é incapaz de realizar com a devida precisão e satisfatoriamente e, por isso, te fará perceber sua própria falência e simplicidade diante do mundo seria anti-natural ou culturalmente imposta; é fácil culpar o sistema ou outra pessoa, ou, menos simples, o sistema em si mesmo (mas tendo sido empurrado pra dentro de si por um agente externo corruptor, agora impossível de eliminar, pela cultura ou qualquer nome que tenha, melhor não se perder nesse debate), essa parece uma saída óbvia, e a saída não óbvia, não fácil, seria, portanto, exigir de si cumprir suas responsabilidades o melhor possível, cumpri-las atenta e criticamente, colocando todo seu empenho nelas, e, assim, tornar-se facilmente alvo de críticas duras, expor-se claro, porque você estaria inteiro ali, você teria feito algo, finalizado, e todas as suas fraquezas e burrices e incapacidades e simplificações e condições de classe e ranhuras de raciocínio e deturpações e, em último grau, todo o seu óbvio pertencimento a essa máquina azeitada de produção de produção, estaria evidente, até mesmo pra você (você se criticará duramente também), dando a tudo um invólucro de fracasso talvez, e que portanto, quando ELE hesita entre sua enorme preguiça e o cumprimento de sua responsabilidade auto-infligida, hesita apenas entre dois lados da mesma moeda, moeda essa que é a corrente das engrenagens, hesita entre o salto do trapézio ou a corda bamba onde deve cair e se equilibrar depois.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Manoela e a roda

Manoela sabe que quando o samba gagueja não quer dizer final mas breque, ou seja, Manoela entende que todo toque toda ginga ou bamba fraqueja pra poder trocar olhar mais tempo, pra fazer durar o tempo, pro tempo real ser tempestade, temporal, enchente e tal, e do fundo desse tempo todo poder voltar como esgoto em maré cheia. Ela anda descalça na rua atenta mas desleixada nas poças amarelas de varíola e cólera e raiva, catarros descartados pela chuva, carros assassinados pela enchente, servos do sistema, quer dizer, tudo que ela despreza mas não teme. Manoela é esguia, é linda, é peixe, enguia, é fruto podre na varanda ao vento ao ataque do tempo e do vírus; Manoela é calma, é como a lama abaixo.
O que Manoela não sabe é que naquele lado daquele dia, no laudo dos sobreviventes, não havia a poesia das águas, mas a prosa dos jornais, os ataques dos abutres, a sujeira dos asfaltos, e os altos e baixos das depressões apaixonadas, portanto, o nado desesperado dos ratos nos navios que singram, os patos que migram, o cheiro que antecede os terremotos, e que cruzar a rua descalça seria um zarpar sem volta, e que entrar naquela roda, naquela praça, excelsa a chuva do céu, lenta a nave dos olhos, forte o perfume do fumo, morria a criança abraçada no fiapo de sentido que é sentir-se vivo infelizmente.

Assim, Manoela descansa os olhos na roda à frente na praça sobre as poças podres sob a garoa boa da tarde de outono morno e desesperadamente triste sentindo que toda a sua vontade de estar ali se fora assim que sujou seus cabelos negros naquela água, quer dizer, que simplesmente sair de casa era sujo. Manoela olha pra si, pras suas roupas coladas ao corpo, pros seus colares e pulseiras, pro seu ventre livre à mostra, pra sua saia rasgada e recosturada, pras suas cores tristes, pras suas unhas, pros seus pés submersos no mangue...

Manoela sabe que tem uma pergunta mas não sabe formulá-la e então melhor calar-se pra quando puder dizê-la, fazê-la agora soa prematuro.
Manoela não sabe que ela é a pergunta prematura e linda e enguia e livre e descalça e chuva e rescosturada e fumo e praça e terremoto e tempestade e de volta o samba se encaixa nela como só depressões apaixonadas encaixam.

terça-feira, 28 de abril de 2015

aquele ele

O que fazer?
ele se pergunta enquanto soca ambos os joelhos cada um com uma mão simultaneamente e com muita força mesmo, tão forte que marca-lhe primeiro vermelho depois roxo igualmente em ambos os joelhos.
Ele está chorando muito, convulsivo, bem feio, afinal são poucos os que permanecem bonitos quando choram - e ele, que mesmo sem chorar não é uma beleza, ou, pelo menos, não é alguém que o senso comum destacaria por beleza, quando chora então fica com uma cara feia, toda contraída. E chora aqueles choros silenciosos, terríveis, pontuados por fungadas de nariz, mas sem nenhum gemido, as vezes um guinchar muito agudo e muito baixo e curto e seguido por uma fungadinha. E lágrimas também, claro.
Ele não está preparado praquilo, praquela solidão terrível, praquele não saber o que fazer, praquela casa de sempre, e aquela cara de sempre, praquele medo dos outros, praquela falta de carinho dos outros - que ele entendia não ser algo gratuito, o carinho, veja bem, ele não é ingênuo e não acredita que nascer significa portanto ser feliz, aliás, longe disso, bem longe disso, quase o contrário, e que, na verdade, o estado em que ele se encontra agora era para ele o estado normal de se encontrar, uma vez que vivo (aquela sabedoria de Sileno e tal), mas ainda assim, o desejo de receber carinho de outrem sobrevinha, e um subsequente medo de ser ridicularizado quando ensaiasse pedir esse carinho, fosse como fosse, lhe parece absurdo esse carinho - exatamente pela sua exemplar visão de mundo onde o normal é chorar nos cantos sem incomodar ninguém.
Também o medo da imagem de chorão o consume, e aumenta a sua solidão. Antes, quando não sabia o que fazer e chorava dessa forma, ele costumava procurar seus amigos, para consolo e carinho, mas agora, lhe parece que, primeiro, seus amigos estão fatigados desse tipo de consolo e carinho, segundo, que, sendo criterioso, não é esse o tipo de carinho que ele está exatamente interessado, uma comiseração por seu estado miserável, não, ele busca um carinho desregrado e dado sem ser pedido, um carinho que o senso comum destacaria como genuíno amor, fosse de amigos, mas mais especialmente de alguém que pudesse chamar namorada (ele é heterossexual) ou algum desses novos nomes dados a pessoas que se envolvem sexualmente e se oferecem carinhos desregrados mas não necessariamente vinculados por aquilo que o senso comum chamaria "fidelidade", muito embora as pessoas assim envolvidas provavelmente discordem - e provavelmente, com razão - do uso deste termo, uma vez que ambas sabem no que estão se envolvendo, não estão sendo "infiéis" quando se relacionam com terceiros, enfim, e terceiro, que chamar um amigo e encontrá-lo para chorar e perguntar o que fazer soa agora pra ele como uma espécie de imagem de sofredor muito tosca, como algo que parece ser falso, como uma projeção péssima do seu genuíno sofrimento que vai, mais uma vez, requerer a comiseração comprada do seu amigo, algo que o senso comum chama as vezes de "chantagem emocional", que pode, se bem executada, resultar, como dito, em alguma forma talvez de carinho, mas não o carinho almejado por ele.
O ponto-chave é, portanto, como receber carinho sem pedir carinho.

Ele não sabe o que fazer.
vou ao banheiro fazer cocô, pensa.

Ele decide olhar sua caixa de entrada do email enquanto defeca. Ainda chora um pouco. Ainda funga um pouco. Defeca pouco também. Lê um email de um dos seus aplicativos de espaço virtual na nuvem dizendo com frases alegres naquele vocabulário típico de economia criativa de internet que ele acabara de ganhar 500 gigas a mais de espaço na sua conta! e essa notícia o alegra parcialmente, ele para de chorar, termina de fazer cocô, se limpa, e pensa, talvez agora eu possa fazer um bom backup dos meus vídeos, eu estava mesmo precisando de um espaço extra.