sexta-feira, 14 de maio de 2010

Abdução

Citônio tinha uma colega, uma vizinha, mais ou menos da sua idade, no desfolhe dos treze anos. Ela, curiosamente, chamava-se Maria, e nada mais. A mãe era biruta e ela também não batia muito bem: alegavam que foram abduzidas. Credo. Citônio não acreditava muito, mas que era estranho era. Deixemos que ela, Maria, nos narre:

"Foi tudo muito embrulhoso. Estava catando feijão no chão da varanda, numa tarde abafada e desventante, com Caquí, nosso mico, no ombro. Lembro que estava usando o meu vestido mais fulera, com a bacia de feijão bem a minha frente. Foi tudo muito embrulhoso... Ouvi minha mãe miar: 'Mingau!' e a vi andando, suspirona, olhando esmeticamente os horizontes. Chamei-a, mas ela me afastou com os olhos vidrados. Debruçou-se na beirada e não fiz nada; caiu, e não fiz nada; e quando olhei ela não estava nem no céu, nem no chão. Então, senti os capêlos da nuca empreriçarem, e uma liscívica excitação percorreu-me o corpo. Meu vestido parecia flutuar, mas podia ser o vento; e meus cabelos também flutuaram, e meus pés também. Aí tudo ficou da cor de mingau! Ouvi catarolarem um frevinho, mas a música era outra. Acordei numa mesa de operações, e estava frio, e nua. Percorri o lugar com os olhos, mas não vi nada. Então vi um ser de corpo enfinado, usando óculos enormes e espelhados; dedos compridíssimos. Ele disse: 'No hay banda' e depois vi que vestia uma coisa tipo camisa escrito NÃO TENHO CERTEZA, em neon. Dormi e sonhei num carro conversível que fazia cocô enquanto avançava um sinal...
Acordei, ainda nua, deitada na varanda, com a bacia de feijões ainda embraçada pelas minhas pernas, porém com todos os feijões já catados e com os cabelos roxos - como ficariam para sempre. Esqueci meu nome - que era Cassandrina - e também minha mãe, por isso nos rebatizamos. Foi tudo muito embrulhoso..."

Citônio não acreditava muito, mas que era estranho era. Até porque os cabelos de Maria Cassandrina eram realmente roxos.
Citônio aprendeu a sempre desconfiar de pessoas com nomes suspeitos.

Um comentário:

  1. Ah. você precisa também ler Gogol. Ou melhor. Gogol precisa te ler. vai lá e dá um jeito nisso.

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